07 abril 2008

O erro do IVA

No final da semana passada, o Governo anunciou a redução do IVA em um ponto percentual. Deixando de lado, por agora, a crítica da eventual inspiração decorrente do calendário eleitoral, que os portugueses saberão julgar, importa reflectir sobre a bondade da decisão. Ancorada esta decisão no facto de se terem cumprido os objectivos para 2007 do controle do défice – facto que nunca é de mais saudar – evidencia, porém, uma visão errada de prioridades e, sobretudo, uma fraca sensibilidade social.

Comecemos por aqui. A redução do IVA, beneficia o consumo, com particular impacto para quem consome mais. As famílias pobres, porque consomem pouco, em praticamente nada sentirão o benefício desta redução de imposto. Ao invés, famílias de maiores recursos financeiros e com níveis mais elevados de consumo verão mais os efeitos deste benefício. Por isso, a nosso ver, esta opção é injusta porque não indexa os benefícios da redução de impostos à maior necessidade dos mais vulneráveis.

Se Portugal tem hoje condições para reduzir a enorme pressão de impostos que tem sido colocada sobre os contribuintes – e ainda bem que tem – deveria aproveitar essa folga para repor mais justiça social. Para reequilibrar o enorme fosso que se tem agravado entre mais ricos e mais pobres e que é o maior de toda a Europa. Ou seja, deveria usar os supostos 500 milhões de Euros da receita anual do IVA, correspondentes a um ponto percentual, que o Governo entendeu serem dispensáveis, para apoiar os que sentiram a maior factura da crise. Seria mais um esforço que todos faríamos, como fizemos para a redução do défice, mas agora com um sentido solidário muito mais forte.

Com esse valor, o Governo poderia duplicar o Complemento Solidário para os Idosos e apoiar mais 60.000 idosos pobres, para quem este apoio financeiro quer dizer imenso. Poderia duplicar o investimento no apoio a crianças e jovens em risco, quer dotando as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, de recursos mais significativos para poderem efectivamente cumprir as suas missões, quer acelerando a construção de equipamentos, para proporcionar educação pré-escolar nos contextos mais vulneráveis, a todas as crianças a partir dos 3 anos, ou ainda aumentar a majoração do abono de família para famílias numerosas. Poderia ainda dar um impulso decisivo para acabar com as barracas, apoiando as famílias mais pobres a encontrarem uma solução de habitação condigna. Ou poderia ainda rever os escalões do IRS, beneficiando os contribuintes com menores rendimentos. Mas não foi este o caminho escolhido. E foi pena.

Os últimos anos, foram tempos difíceis para os portugueses. Por isso, as dificuldades sentidas por quase dois milhões de portugueses, abaixo do limiar da pobreza, deveriam constituir a primeira prioridade do Estado, na sua função de redistribuição da riqueza, de promoção da justiça social e de maior justiça fiscal. Não podemos deixar para amanhã o que temos para fazer hoje.

Um desígnio para Portugal

Sucessivamente, ao longo dos tempos, procurámos um desígnio para Portugal. Algo que fizesse sentido e nos mobilizasse para andar para a frente. Nas décadas anteriores, tivemos a consolidação da democracia, a adesão à CEE e a entrada no Euro que nos obrigaram a lutar por objectivos concretos. Todos eles foram alcançados, na generalidade, ainda que de uma forma imperfeita e deixando ainda desafios para concretizar. E, agora, que desígnio para Portugal?

Portugal precisa de Ser. Ser melhor. Ser coeso. Ser global.

Um Povo deve, antes de tudo, Ser. Ser portador de uma identidade forte que se consolida ao longo dos séculos e de um código genético que ganha densidade com o tempo. Que se reconhece – com orgulho - como original e que recusa imitações baratas. Para Portugal ser, é fundamental que os portugueses não tenham vergonha de si próprios, nem vivam permanentemente a desfazer-se. Para Portugal ser, é necessário cuidar da memória, para construir um futuro com carácter. Para Portugal ser, é urgente valorizar a Língua e proteger o Território.

Mas não chega ser. Isso é só o princípio. Há que Ser melhor. Sempre. Em tudo e envolvendo todos. Um enorme desígnio para os portugueses é cultivar o aperfeiçoamento em cada gesto. Porque tudo o que vale a pena ser feito, vale a pena ser perfeito. Como um atleta que vai melhorando as suas marcas, um futebolista que vai afinando a execução dos livres, ou um músico que ensaia sem cessar para aperfeiçoar a sua técnica. Precisamos de ser melhores, nas pequenas e grandes coisas. Como uma obsessão. Sempre melhor, com um passo cada dia. Cada um de nós, pode definir em quê, como e para quê. Se fosse possível que cada português integrasse esta ambição na sua agenda, o País daria um salto extraordinário.

Outra face do novo desígnio para Portugal é Ser coeso. Como comunidade, devemos avançar sem perder ninguém, nem deixar ninguém de fora. Há que reduzir o fosso entre mais ricos e os mais pobres, numa sociedade mais justa e, por isso, mais coesa. Precisamos de cultivar os laços que nos unem. De aumentar o nosso capital social, de ter mais confiança nos outros e no País. Antes de procurarmos o que nos separa, precisamos de construir a partir do que nos une.

Finalmente, Ser global. Somo um povo, no dizer de Vieira, a quem Deus deu Portugal para nascer e o mundo para morrer. Precisamos de redescobrir os caminhos do mundo. Sentirmo-nos bem nas arenas internacionais. Sermos capazes de dialogar com desconhecidos, de nos radicarmos em qualquer parte do planeta, de nos tornarmos próximos. Precisamos saber comerciar com eficácia e aprender, além fronteiras, com dedicação.

Olhando para mais de oito séculos de sucessos e insucessos, tantas vezes capaz de ir à Índia, mas por vezes incapaz de chegar a Cacilhas, importa a todos mobilizar, sem excepção, para as novas Índias e para as Cacilhas de sempre.