03 maio 2007

Bem maior

Hoje, por cá, festeja-se a liberdade. A tal que só se dá por ela quando falta. Como o ar que respiramos. Banalizada, por vezes, através de um uso corriqueiro, outras tantas ocasiões confundida com aparências e simulações, torna-se moeda de pouco valor. Até pode parecer dispensável. Mas não é.

Não tenhamos dúvidas: se algo caracteriza o melhor da natureza humana é a sua ânsia de liberdade e a sede de auto-determinação. Com efeito, e concordando por uma vez com Sartre, o Homem nasceu para ser livre. Mas esse destino não é um simples equivalente da falta de constrangimentos ou da simples ausência de proibições. Nem um “ai que prazer / não cumprir um dever / ter um livro para ler / e não o fazer”. Ou o tudo poder fazer, sem limite, nem critério. Ser livre é ser escravo da consciência e senhor da vontade. E é pois entre consciência e vontade que devem ser geradas as nossas escolhas, expressões concretas da nossa liberdade.

Mas para ser livre é preciso ter escolhas possíveis. O problema é que, para muitos, as opções disponíveis são reduzidas e predominantemente más. Por outro lado, não dispõem, por vezes, dos instrumentos necessários para fazer as escolhas certas, graças a uma formação deficiente da sua consciência. Ou ainda, estão marcados pelo círculo vicioso de escolhas erradas que outros já antes fizeram e das quais herdam uma pesada factura. É então que se abrem a portas a diferentes escravidões que matam a liberdade. São milhões os que ainda não são livres e, provavelmente, nunca o virão a ser. Vivem enclausurados pelas grades da pobreza, das dependências, da exclusão social e da desesperança.

Outros há que podendo ser livres, prefeririam não ter esse fardo da escolha. Passavam bem sem a liberdade. Têm um certo horror à responsabilidade de escolher. Sonham que alguém o fizesse por eles, deixando-os numa confortável posição de seguidores ou de detractores. Parecendo que não, esta posição tem o seu encanto. É ver o jogo sentado, em vez de arriscar a jogar. É ficar num lugar muito seguro. Cinzento, mas cómodo. Permite contornar a angústia da escolha e o peso das suas consequências. A procura de um Pai autoritário, que ciclicamente observamos, radica aqui.

Mas, na verdade, para quem quer assumir plenamente a sua humanidade e viver uma vida a cores, amar a liberdade é um desígnio irrecusável. É o que nos separa dos rastejantes. Mas não nos chega uma liberdade qualquer. Para quem quer viver a liberdade a sério, o grande desafio é, em cada escolha, não só escolher o bem em vez do mal. É querer ir mais longe. A liberdade mais perfeita é a que é capaz de, entre dois bens, escolher o bem maior. O mais universal e o mais urgente. Esta deveria ser a nossa maior ambição ao ser livres. Mas isto não é nada fácil.


Correio da Manhã, 25/4/2007

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