O cartaz largo, à beira da estrada, anuncia com estrondo: “Compre o que quiser. Pague quando puder.” acrescentando que, para concretizar este passo de magia, basta pedir o cartão x. Simples...mas desastroso. Esta é, nos nossos dias, uma das maiores pragas da sociedade portuguesa, que se desdobra dos electrodomésticos às viagens, da casa ao carro, do computador à conta do supermercado.
Apesar de rimar, querer nem sempre é poder e, no consumo, confundir as duas coisas é terrível. Graças a uma enorme indústria de crédito ao consumo, dispondo de um marketing agressivo, multiplicaram-se as ofertas que, ilusoriamente, tornam possíveis opções que estariam fora das opções familiares. Tudo parece fácil. Basta pedir. O problema vem depois, quando se percebe que o passo foi maior do que as pernas.
Hoje, em vez de poupar, para eventualmente um dia gastar, gastamos a contar com o que - eventualmente - vamos ganhar. A diferença é óbvia e fruto da mentalidade do tempo. Atrás de facilidades, compramos problemas. Actualmente, milhares de famílias sentem na pele as suas opções insensatas do endividamento que fizeram. Os juros afundam-nas e, quantas vezes, sofrem a humilhação de verem os bens que adquiriram serem penhorados ou retomados pelo credor. Segundo o Banco de Portugal, o endividamento familiar corresponde a 84% do Produto Interno Bruto e, em 2006, o crédito concedido aumentou 11,5%, numa tendência persistente desde os anos 90. Outros dados apontam para que cada família tem, em média, seis créditos (não só na área do consumo, mas também no crédito à habitação e automóvel), e o seu endividamento corresponde a 120% do rendimento. Ou seja deve mais do que a totalidade do seu rendimento.
É urgente inverter este ciclo. Desde logo, pelo lado do consumidor. Quem entra no jogo do crédito fácil deve perceber os riscos que está a correr. Sabendo que quase nunca se destina a bens essenciais de consumo – longe vão os tempos do “fiado” na mercearia do bairro para poder dar jantar à família – as famílias têm de saber dizer não ao acessório que está para além das suas possibilidades efectivas. A solução seria simples e decorre do bom-senso. Primeiro é preciso poder, para depois concretizar o querer do consumo. Mas para isso é preciso não querer parecer mais do que se tem, nem ter mais do que se pode. Bem sei que são valores fora de moda. Mas ainda são os mais seguros e mais sólidos. Evitam grandes dissabores e dão particular sabor ao que se consegue. Por outro lado, é fundamental que as empresas que intervêm neste negócio sejam muito mais exigentes consigo próprias, na regulação ética e deontológica da sua actividade. O que equivale a ser muito mais selectivo na atribuição de crédito ao consumo e incomparavelmente mais sério na propaganda difundida.
03 maio 2007
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