É velha a história de quem, olhando o mesmo copo, o vê meio cheio ao lado de outra pessoa que o vê meio vazio. A realidade é assim mesmo: tem sempre esses dois lados, pois copos cheios, provavelmente, só no paraíso. A questão, no entanto, coloca-se quanto ao olhar tendencial que preferimos. Começamos por valorizar o que já temos ou preferimos olhar para o que falta? E quando o fazemos qual a consequência que daí retiramos?
Qualquer um de nós recorda imediatamente uma mão cheia de amigos que não conseguem ver mais do que copos sempre meio vazios. Não dão oportunidade para ver o lado positivo da realidade. Aliás, esse é um vício nacional e o pior do nosso fado. Já mais difícil é encontrar quem seja um caso típico de ver sempre o copo meio cheio. Parece mal, na nossa terra, ser optimista.
Nos últimos tempos, não é preciso, aliás, procurar muito para encontrar exemplos ilustrativos da onda negativa. Há dias, após o anúncio da extensão do abono de família, até ao terceiro mês de gravidez e a sua duplicação e triplicação para segundo e terceiro filhos, o título de um jornal sublinhava que talvez 10% dos nascimentos ficasse fora deste benefício e outras vozes limitaram-se a dizer que era insuficiente e tardio.
Copo meio vazio, pois. No dia seguinte, perante 400 milhões de euros de investimento na modernização do sistema educativo, nomeadamente através do forte reforço da disponibilização de tecnologias de informação na sala de aula, os comentários dividiram-se entre as tecnologias não serem o mais importante ou sobre episódio das crianças contratadas pela agência que preparou o evento.
Mais tarde, perante o lançamento da iniciativa ‘Casa Pronta’, que permite tratar com celeridade as questões de compra e venda de casa, prefere-se sublinhar a eventual inconstitucionalidade, despertada por um parecer jurídico encomendado pelos notários, que se sentem prejudicados nos seus interesses por este serviço. Poderíamos continuar a desfiar exemplos.
É evidente que parte deste fenómeno decorre dos jogos políticos no seu pior.
O maldizer, mesmo perante as coisas objectivamente boas, vive do bota abaixo ou na melhor das hipóteses do discurso do copo meio vazio. Note-se que se essa crítica fosse séria, poderia não ser má. Seria, nesse caso, um incentivo para encher o que falta do copo e, assim, seria útil para transformar a realidade. Mas não. Com esta atitude só se cultiva o desânimo e a descrença. Nunca gozamos o que já temos e não transformamos o que nos falta através da ambição de o conquistar.
Não nos contentamos, nem nos mobilizamos. Simplesmente, lamentamo-nos. E quem se lamenta, não chega a lado nenhum.
O grande desafio para todos nós passa por cultivar uma atitude simultaneamente positiva e realista, de quem reconhece que o copo está, ao mesmo tempo, meio cheio e meio vazio. Mas só com um olhar positivo, registando que o copo já está meio cheio, ganharemos energia para encher o que falta. E que ninguém encherá por nós.
Correio da Manhã, 1/8/2007
23 agosto 2007
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