23 agosto 2007

Abstenção aos impostos?

Se todos somos obrigados a pagar impostos não deveríamos igualmente ser obrigados a votar? Ou, visto ao contrário, se podemos não votar porque não admitir também a abstenção nos impostos?

Embora possa parecer absurdo formular estas perguntas, creio que não o é. Ninguém está dispensado de pagar impostos, porque se considera – e bem – que nenhum de nós está isento de contribuir para o esforço colectivo de gerar receitas para que o Estado cumpra as suas funções, seja as de soberania, seja outras de cariz social, como a educação, a saúde ou a solidariedade social. Não há, por isso, a figura da abstenção no pagamento de impostos, ainda que alguém não concorde com a forma como são administrados. Todos somos convocados a dar o nosso contributo, porque o Estado somos nós.

Mas será a democracia em si mesma – representada nomeadamente através do voto em eleições – um bem menor do que qualquer uma destas funções do Estado sustentadas pelos nossos impostos? A resposta peremptória é ‘não’: a construção da democracia é um bem maior do que o financiamento do Estado. É mesmo através do sistema democrático representativo que se determinam a defesa do bem comum e a administração do interesse público. Se discordamos desta gestão é através da participação cívica – nomeadamente votando – que devemos expressar a nossa opinião. Por isso, ninguém pode ficar dispensado de expressar a sua voz, através dos mecanismos democráticos. Votar, mais do que um direito, é um dever cívico. A desvalorização da democracia, decorrente de ser igual ir votar ou não, produz uma degradação na qualidade do regime que, a prazo, todos pagaremos.

Vem isto ainda a propósito das últimas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa, que evidenciaram uma taxa de abstenção altíssima. Seis em cada dez lisboetas não votaram. Essa é, aliás, a tendência crescente dos últimos actos eleitorais. Na análise explicativa que se seguiu assistiu-se a um discurso desculpabilizador dos eleitores. Ainda que sejam motivos com eventual fundamento, constituem uma resposta errada. A verdade é que não é admissível que um cidadão, podendo, não participe numa eleição. É a negação da democracia. Amargo é imaginar que durante tantos séculos, multidões lutaram pelo direito de voto: as minorias étnicas, as mulheres, os jovens... e agora que esse direito está adquirido outras multidões desprezam-no.

Para mais, o voto contempla a expressão de todos as vontades. Da opção por qualquer candidatura até à recusa de qualquer uma deles – voto branco – ou até à expressão de uma qualquer irritação, que anule o voto. Também por isso, não é admissível a abstenção. O nosso sistema democrático deveria reconsiderar a obrigatoriedade do voto, tal como acontece no Brasil. A penalização em relação às faltas injustificadas deveria ter como consequência, inspirada na Grécia Antiga, a perda temporária do estatuto de cidadão. Se não cumprir o dever de votar é demitir-se do estatuto de cidadão, que seja então assumido esse ónus pelos abstencionistas.

Correio da Manhã, 25/7/2007

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