12 novembro 2007

Mães-coragem

O trágico acidente da semana passada, junto ao Terreiro do Paço, em Lisboa, em que morreram atropeladas duas mulheres e uma terceira ficou gravemente ferida, desocultou realidades que só longinquamente vamos percepcionando.

Filipa Lopes Semedo, de 57 anos, uma das vítimas mortais, imigrante são-tomense, mãe de 10 filhos, havia saído da sua casa, do outro lado do rio, às 4h.30m. da madrugada, para apanhar o primeiro barco que todas as manhãs atravessa o Tejo, trazendo os primeiros trabalhadores para a cidade. Com ela, viajavam outras mulheres africanas, de S. Tomé e Cabo-Verde, que vêm cuidar das limpezas dos muitos escritórios de Lisboa. Todas as vítimas atingidas por esta tragédia, tinham esse elo de união: vinham trabalhar, ainda não tinha o dia despertado, para as limpezas dos nossos escritórios.

Com efeito, nós que começamos o dia mais tarde, e que às quatro e meia da manhã ainda estamos no nosso descanso, não temos consciência da dureza de algumas vidas, em busca de pão para a família. Entre os muitos - portugueses e imigrantes - que são heróicos protagonistas destas vidas difíceis, devemos hoje particularmente uma homenagem à coragem destas mães africanas.

Agarrando com as duas mãos, qualquer emprego que lhes surja, ainda que não difira muito do circuito das limpezas ou da venda de peixe, estas mulheres, muitas delas também mães, enfrentam com uma coragem extraordinária o seu quotidiano. Rodeadas de obstáculos hostis, procuram – normalmente sozinhas - educar os seus filhos o melhor que podem, ainda que quase tudo se volte contra elas. Basta imaginar o que sentirá uma mãe ao ter que deixar, todos os dias, os seus filhos pequenos entregues a si próprios, ou a irmãos um pouco mais velhos, porque à hora que sai de sua casa não há creches abertas onde os possam deixar. E, quantas vezes, só regressam a casa depois do turno da tarde de limpezas, o que equivale a ver os filhos só à hora de jantar. São crianças que crescem sozinhas, na rua, como preço dos nossos escritórios limpos antes das 8 da manhã e depois da seis da tarde.

Mas Filipa não morreu sozinha naquela manhã. Ao seu lado, ficou Neuza, na juventude dos seus 18 anos, que atravessava a passadeira com a sua mãe, naquele momento fatídico.

A história da mãe de Neuza é a de muitas mães-coragem que emigrando, deixam os seus filhos no país de origem, à guarda da avó ou de algum familiar, sempre no sonho de um dia os poderem recuperar para junto de si. Juntam dinheiro, a partir de um magro salário, para conseguirem esse momento mágico de voltarem a juntar a família. Tinha sido essa a experiência da mãe de Neuza. Demorara quatro anos a juntar dinheiro para a passagem de avião da sua filha. Tinha conseguido trazê-la há seis meses para junto de si. Percebe-se, por isso, que após o atropelamento e apesar do seu estado muito grave, só gritasse o nome da sua filha. Nunca irá compreender porque morreu a sua filha Neuza, naquela manhã. Ainda haverá coragem que resista a mais esta provação?

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