01 novembro 2007

Reciprocidade

Há um quase automatismo nas relações humanas. A máxima “olho por olho, dente por dente”, mais do que uma receita para resposta a qualquer provocação, ou medida da pena para qualquer crime, é a descrição do impulso inato na natureza humana. Tendemos a responder da mesma moeda, a não nos deixarmos ficar. Como dizem os nossos amigos brasileiros, não somos de “levar desaforo para casa”. Agimos como se fossemos um espelho. Com uma pequena diferença. Se possível, respondemos com um pouco mais de intensidade em relação à ofensa que nos foi feita. É superior às nossas forças. E quando essa reciprocidade entra em ciclo vicioso, numa espiral de vingança que se perpetua no tempo, atravessando mesmo gerações, torna-se devastadora. Esta é a plataforma de onde humanamente partimos, se deixarmos correr os instintos.

Este traço da nossa maneira de ser, desperta duas reflexões. A primeira, decorre do efeito de se contrariar conscientemente o princípio da reciprocidade, quando este alimenta a espiral da vingança e da violência. Só se interrompe verdadeiramente esse ciclo quando alguém é suficientemente forte e corajoso para não agir com reciprocidade, ou dito de outra maneira, quando é capaz de perdoar. Por isso, quebrar a reciprocidade da agressão é a uma única forma de construir a paz.

Mas há uma outra consequência do princípio da reciprocidade nas relações humanas. Se tivermos a ousadia e o bem-senso de explorar este efeito para o bem, seremos agradavelmente surpreendidos. Da mesma maneira que maldade produz maldade, a bondade gera bondade. Basta começar a experimentar. O trânsito é um excelente laboratório. Por uma vez, não faça da estrada um terreno de combate, onde não pode deixar-se “comer por parvo”. Descontraia-se. Experimente, em vez de praguejar, esboçar um sorriso, e veja o que acontece. Em vez de se esforçar por não deixar um centímetro em relação ao carro da frente, para que ninguém entre na fila, experimente abrir espaço para quem está a tentar entrar. Num cruzamento, deixe passar, em vez de forçar a passagem e quando se verificar a fusão de duas filas numa só, aceite o principio da entrada intercalada de um carro de cada fila. É tão mais simples. E, finalmente, quando alguém tiver um gesto simpático consigo, agradeça...e veja o efeito. Em 95% dos casos sentirá os efeitos positivos da reciprocidade do bem.

Quando somos capazes de iniciar, ou reforçar, algo de bom, o efeito da reciprocidade amplia o gesto e contagia outros, que provavelmente irão continuar a cadeia para além do encontro consigo. E mesmo aqueles que o achem “anjinho” por estes gestos, ficarão a pensar neles. Um dia, também eles descobrirão que este é o caminho certo.

Sendo verdade que uma borboleta batendo as asas em Tóquio desperta uma tempestade no Ocidente, talvez não seja menos verdade que de pequenos gestos bons, graças ao efeito da reciprocidade, se poderá melhor um pouco o mundo em que vivemos. Podemos começar pelo trânsito.

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