20 fevereiro 2008

Simetria

Há alguns meses, o Estado desencadeou uma iniciativa inédita de divulgar na internet a lista de grandes devedores, como mecanismo de pressão e de condicionamento social desses refractários. Ao que parece, tal medida teve um sucesso razoável na recuperação de alguns créditos pois devedores houve que, perante tal iminência, se apressaram a pagar as suas dívidas. Recentemente, ainda que de forma limitada, o Tribunal de Contas fez o inverso: publicou a lista de credores do Estado. Era o mínimo que se exigia.

Na passada semana, num outro eixo, o Governo veio anunciar que o Estado procuraria reduzir até 2010 os seus prazos de pagamento da média actual de cinco meses para 30 a 40 dias.

Estas questões sinalizam um tema central para a recuperação do prestígio das instituições. O Estado, enquanto emanação de todos nós, deve ser sempre pessoa de bem e nunca deve abusar da sua posição dominante. Deve, por isso, na relação com o cidadão, com as empresas e com as instituições da sociedade civil, ser exemplar. Desde logo, deve cultivar uma relação simétrica e recíproca. Não pode, por exemplo, exigir ao cidadão ou à Empresa algo que não pratica. Não deve cultivar uma relação de desconfiança prévia e de um “pague primeiro e queixe-se depois”. Por isso, se quer publicar as dívidas que cidadãos ou empresas têm para com ele, deve começar por publicar as suas dívidas para com cidadãos ou empresas. Essas listas têm de estar lado a lado.

Em simultâneo, defendo convictamente que o Estado deve aceitar que se aplique às suas dívidas para com os seus credores – individuais ou colectivos – as mesmas penalizações que cultiva para com os seus devedores. Ou seja, não é aceitável que o Estado não pague juros de mora por pagamentos atrasados para lá do prazo acordado, sendo que, naturalmente, não deveria sequer ter esse atraso de pagamentos. Sei, por experiência própria, que muitos dos atrasos não estão dependentes da vontade dos funcionários ou dirigentes públicos mas de um sistema incrivelmente burocrático e pesado. Mas, perante essas dificuldades, a resposta certa é, por um lado, melhorar o sistema mas, por outro, assumir os custos desses atrasos, pagando os devidos juros de mora.

Um outro desafio passa por vir a ser aceite o pagamento de dívidas ao Estado com créditos pendentes. Isto é, se devo ao Estado 10 e o Estado me deve 100, fica a dever-me só 90. Esta é uma matemática simples que ajudaria a moralizar relações simétricas e de respeito mútuo. Ora, o que vigora actualmente como regra é que eu pague já os 10 ao Estado e o Estado pagar-me-á os 100, sem juros, quando puder.

Note-se que não cultivo uma visão anti-Estado. Pelo contrário. Faço-o por valorizar extraordinariamente a sua função. Mas um Estado sério, eficiente e eficaz. Um Estado digno, respeitado e respeitador.

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