14 junho 2008

Fogo cerrado

Portugal tem, é sabido, uma sociedade civil frágil. Fruto de séculos de centralismo estatal, de uma cultura de dependência dos poderes públicos e de uma aversão ao empreendedorismo social, estamos muito longe do nível desejável de pujança das instituições da sociedade civil. O terceiro sector – o que não é público, nem privado com fins lucrativos – tem que se reforçar em Portugal. Sabemos, a propósito, que os países mais desenvolvidos o são, não só pela competitividade das suas economias, mas pela força das suas comunidades e pelo empenho cívico das suas populações. É para esse modelo que devemos mover-nos: uma sociedade civil cada vez mais forte.

Ainda assim, em Portugal, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), incluindo as Misericórdias, representam mais de quatro mil instituições, com 270.000 funcionários e mobilizam 4,2% do PIB. Garantem o essencial dos serviços sociais de apoio à infância e à terceira idade. Constituem uma realidade essencial na sociedade portuguesa. Por isso, todos os esforços para as reforçar são fundamentais e todos os ataques a este tecido social constituem um erro crasso, quer porque não tendo nós uma sociedade civil forte, atacar o que temos é um disparate, quer porque damos um sinal errado, optando pela intervenção do Estado em vez de preferir o Terceiro Sector.

Infelizmente, os sinais mais recentes são preocupantes. Numa visão estratégica errada, as IPSS têm vindo a estar sob fogo cerrado. Ora é a ameaça aos ATL para crianças que durante anos estas instituições desenvolveram e que ficaram em risco pela iniciativa do Ministério da Educação ao “estatizar” a escola a tempo inteiro; ora é a ameaça da ASAE com a sua lógica insensata e a desadequada interpretação fundamentalista das leis comunitárias que cai em cima das IPSS; ora é o Ministério da Saúde que ignora o contributo que as Misericórdias poderiam dar para a resolução das listas de espera em Oftalmologia. São evidências excessivas, para considerar que se trata de coincidências. Há um ataque cerrado em curso.

Dessa forma se compreende como reacção que se assista ao agendamento de várias formas de protesto, entre as quais uma greve – inédita – nos ATL e uma manifestação em Lisboa. A sua causa merece todo o nosso apoio. Matar, ou colocar em risco sério, as IPSS constitui um erro político com danos efectivos para o País. É necessário inverter o caminho.

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