14 junho 2008

Natureza humana

Num tempo conturbado, atravessado por novas erupções do denominado “choque de civilizações”, onde se redesenha o mundo em função de previsíveis colisões de culturas e religiões, constitui um desafio regressar a outros passados, tão diferentes na forma, quanto iguais na essência. Terão os choques de civilizações no passado acontecido pelo conflito gerado pelas diferenças?

Nesse olhar pela História, à procura de outros “choques de civilizações”, surge como momento referencial o chamado “século cristão do Japão”, especialmente no seu epílogo, já em pleno séc. XVII. Camões, sintetizava assim esse destino então abraçado: “É Japão onde nasce a prata fina / que será ilustrada com a Lei divina”. Na abertura aos “bárbaros do sul”, esses portugueses intrépidos da era dos Descobrimentos, o Japão feudal descobriu, acolheu e, finalmente, rejeitou violentamente uma ponte entre dois mundos quase opostos que, por décadas, se interligaram.

Luís de Fróis, na época, ilustrava sistematicamente 609 exemplos de diferenças – “nós usamos do preto por dó; e os japões do branco” - no comportamento dos homens, das mulheres ou das crianças, das armas e da guerra, da arte e da alimentação, da religião e da literatura. Mais do que nos antípodas do globo, coloca a Europa e o Japão nos extremos opostos das tradições e dos costumes. E, no entanto, estas duas civilizações conviveram pacificamente ao longo de quase um século.

O momento crítico de tensão e de desencontro aconteceu quando se colocou a questão do poder. Quando os japoneses tiveram a notícia do que havia acontecido nas Filipinas, onde também tinham chegado os europeus. Aí, depois de uma primeira entrada pacífica pela religião e pelo comércio, os estrangeiros vieram a conquistar o poder, pela força, dominando os autóctones. Temendo que o mesmo lhes viesse a acontecer, os japoneses decidiram expulsar violentamente os portugueses e aquilo que eles representavam: o cristianismo.

Ora, o que tem isto a ver com os nossos dias? É simples. Os nossos conflitos nascem porque somos todos iguais. Porque partilhamos sentimentos como a ambição, a conquista, o domínio, a glória, a transformação do outro em alguém igual a nós. É próprio da natureza humana. Por isso não nos deixemos iludir por discursos que colocam nas diferenças a razão de ser dos conflitos de civilizações. O problema é efectivamente... a semelhança.

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