Celebra-se hoje mais um aniversário da morte do ilustre Pe. António Vieira (1608/1697). Este português notável foi polifacetado e desconcertante, tendo sido missionário, político, diplomata, orador e intelectual, num século conturbado e inquietante. Vieira é, ainda e sempre, uma referência da humanidade.
Homem de Fé, notabilizou-se pelos seus monumentais sermões, mas também pela missão exemplar de dedicação aos índios do Brasil. Para eles conseguiu, contra fúria dos colonos, em 1655, um decreto do rei que os protegia contra a escravidão feroz. Quando poucos viam nos índios sequer seres humanos, Vieira esteve a seu lado, aprendendo as suas línguas e correndo perigos inimagináveis nas selvas profundas do Maranhão.
Intensamente empenhado no destino da sua Pátria - para a qual sonhou a utopia do Quinto Império - foi pragmático na política e controverso na diplomacia, mas acabou sempre à margem do politicamente correcto. Desafiou o futuro e, procurando perscrutar os seus caminhos, imaginou novos mundos. Enfrentou por isso, inimigos infindáveis, entre os quais, todos os poderes instituídos: a Corte, a Inquisição e os interesses económicos. Estando no mundo, Vieira não era daquele mundo.
Também para a cultura portuguesa, a sua memória ressoa como um dos nossos maiores expoentes. Exímio arquitecto das palavras e dos conceitos, orador distinto, mereceu de Pessoa o título de Imperador da Língua Portuguesa.
Polémico, como poucos, António Vieira não era, no entanto, um ser perfeito, e até nisso era profundamente humano. Não ficou como uma lenda, nem sequer como um santo. Sonhou sonhos impossíveis, viu miragens que se esfumaram e errou muitas das suas geniais suposições. Mas nunca teve medo, nem se ficou no conforto dos moles. Foi ousado, corajoso e fiel à sua consciência, por mais que isso implicasse ir contra o Mundo.
Portugal, como tantas vezes acontece perante os nossos maiores, tem-lhe dedicado pouca atenção. Para o próximo ano, em 6 de Fevereiro de 2008, comemorar-se-á o IVº Centenário do seu nascimento, ocorrido nesta cidade de Lisboa, junto à Sé.
Temos defendido que, por essa ocasião, deveria ser criada em sua memória, a Casa António Vieira, por forma a que se tornasse mais presente a sua herança. Preferencialmente junto à Sé de Lisboa, seria um espaço privilegiado para que se continuasse a celebrar esta forma de ser português, sempre aberta ao mundo, através de um museu, de uma biblioteca e de um centro de estudos. Da Câmara de Lisboa, do Governo da República e de mecenas interessados depende a concretização da Casa António Vieira.
Como no tempo de Vieira, Portugal precisa de se ultrapassar e reencontrar o seu destino no mundo. Como na sua época, o desafio do interculturalismo, da defesa da diversidade, do diálogo entre crentes e não crentes, bem como a promoção da dignidade humana são desafios em agenda. Por isso, a Casa António Vieira seria uma excelente forma de, quatro séculos depois, continuar a construir a história do futuro.
Correio da Manhã, 18 Julho 2007
23 julho 2007
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário