Portugal tem, ao longo da sua História, revelado capacidades inesperadas de vencer obstáculos aparentemente inultrapassáveis. Somos capazes de fazer o impossível, se a missão é grandiosa. O nosso problema não está aí. Para Portugal e para os portugueses, o desafio está na continuidade, no quotidiano, no aperfeiçoamento. Na banalidade dos pequenos pormenores. Na constância de uma determinação de ferro.
O Movimento Esperança Portugal (MEP), particularmente em tempo de crise, ambiciona para o nosso País um objectivo mobilizador, capaz de nos projectar para o futuro.
Propomos, assim, como objectivo para o Portugal do século XXI uma missão ao mesmo tempo simples e ambiciosa: Ser Melhor. Em tudo, sempre e independentemente das circunstâncias. Numa permanente competição connosco próprios, melhorando sustentadamente processos e resultados. É simples: Ser Melhor deveria ser a obsessão nacional.
Note-se que este objectivo é universal. Ao contrário do discurso da “excelência” que por natureza é elitista – nem todos podemos ser excelentes – e desresponsabiliza a maioria, a ambição de “Ser Melhor” não deixa ninguém de fora. Responsabiliza-nos a todos. Dirige-se a cada um de nós, enquanto profissional e enquanto cidadão. Mas também constitui um desafio às nossas instituições, públicas e privadas. Exige empresas melhores. Desafia para um Estado melhor.
Sem hesitações, Portugal precisa querer ser melhor, todos os dias.
Nesta aspiração a Ser Melhor, são fundamentais as culturas de planeamento, de execução e de avaliação. Necessitamos de cuidar do planeamento com empenho, deixando ao improviso só os verdadeiros imponderáveis. Precisamos de investir numa execução rigorosa e cuidada, eficaz e eficiente. Por exemplo, temos que fazer melhor, com menos dinheiro, pois as finanças públicas não suportam o aumento da despesa e também não é desejável, nem viável, o aumento da carga fiscal. Finalmente, ambicionamos uma avaliação permanente, capaz de se constituir como oportunidade de reconhecimento e de aprendizagem, de melhoria contínua e progressiva.
Mas também as atitudes contam. Sabemos que ninguém vence batalha alguma num quadro de desânimo ou desistência. Precisamos de cultivar atitudes que reflictam motivação, ambição e persistência. Necessitamos de motivar todos para este combate e ter a ambição firme de o vencer. Perante as dificuldades e os revezes que sempre existirão temos que saber persistir. Tentar tantas vezes quantas as necessárias para vencer. Estar disponível para correr maratonas e não ficar só pelos fogachos de 100 metros. Só assim chegaremos a destino que valha a pena.
“Melhor é possível” é o lema que defendemos para Portugal. Assumimos que está verdadeiramente ao nosso alcance um País melhor, porque mais humano e mais justo. Mas não só. Por estes dias, é também evidente que “Melhor” não só é possível, como necessário e urgente. É agora ou já.
(Público, 15.7.2008)
15 julho 2008
03 julho 2008
Fogo frio e silencioso
Como se já não chegasse, a avalanche de más notícias teve esta semana um dos factos mais perturbantes dos últimos meses. Atrevo-me a dizer, mesmo mais grave que os 143 dólares do petróleo ou a subida das taxas de juro. Sobre o país está a abater-se um fogo silencioso e imparável que destrói um património irrecuperável a curto prazo: o pinhal. A expansão da praga do nemátodo do pinheiro a todo o país, colocando em risco a extensa mancha de pinhal que constitui um activo fundamental (3% do PIB), não pode ser resolvida em poucos anos e causará um assinalável prejuízo à fileira florestal da economia portuguesa. As medidas de contenção na península de Setúbal, que foram tomadas tardiamente, não foram suficientes e agora o fogo frio e silencioso arde sem controle.
Como se responde a este facto com uma visão de esperança?
Este constitui o ponto fulcral. O primeiro ponto a sublinhar é que devemos aprender com este erro. Portugal precisa de cultivar, em todas as áreas, a prevenção como ferramenta mais barata para evitar catástrofes. Prevenir, deveria ser sempre um tema de agenda, sobretudo quando a ameaça ainda está longe ou inactiva. Neste caso, devemos rever todo o processo de combate ao nemátodo desde 1999 e perceber onde errámos para – pelo menos – aprendermos para a próxima e, eventualmente, responsabilizarmos os culpados.
Por outro lado, anuncia-se agora a vinda dos maiores especialistas mundiais, em Outubro – quando já deveriam ter vindo no início da crise – pelo que há que seguir rigorosamente as suas orientações para salvar o que é possível salvar. Seguramente será necessário abater as arvores doentes (e mesmo outras em zonas de contenção), bem como tratar convenientemente a madeira para evitar a contaminação para outras regiões dentro e fora de Portugal. Mas também é fundamental uma visão solidária de toda a comunidade para com os que são mais duramente atingidos por esta calamidade, através da atribuição e pagamento efectivo de um subsídio compensatório que possa minimizar os danos. Em simultâneo, é necessário apostar imediatamente na reflorestação com outras espécies, compatíveis com os solos e o clima, para ter um nível de substituição florestal razoável.
Portugal não precisava de mais este problema. Mas se o temos, há que o enfrentar com determinação.
Como se responde a este facto com uma visão de esperança?
Este constitui o ponto fulcral. O primeiro ponto a sublinhar é que devemos aprender com este erro. Portugal precisa de cultivar, em todas as áreas, a prevenção como ferramenta mais barata para evitar catástrofes. Prevenir, deveria ser sempre um tema de agenda, sobretudo quando a ameaça ainda está longe ou inactiva. Neste caso, devemos rever todo o processo de combate ao nemátodo desde 1999 e perceber onde errámos para – pelo menos – aprendermos para a próxima e, eventualmente, responsabilizarmos os culpados.
Por outro lado, anuncia-se agora a vinda dos maiores especialistas mundiais, em Outubro – quando já deveriam ter vindo no início da crise – pelo que há que seguir rigorosamente as suas orientações para salvar o que é possível salvar. Seguramente será necessário abater as arvores doentes (e mesmo outras em zonas de contenção), bem como tratar convenientemente a madeira para evitar a contaminação para outras regiões dentro e fora de Portugal. Mas também é fundamental uma visão solidária de toda a comunidade para com os que são mais duramente atingidos por esta calamidade, através da atribuição e pagamento efectivo de um subsídio compensatório que possa minimizar os danos. Em simultâneo, é necessário apostar imediatamente na reflorestação com outras espécies, compatíveis com os solos e o clima, para ter um nível de substituição florestal razoável.
Portugal não precisava de mais este problema. Mas se o temos, há que o enfrentar com determinação.
14 junho 2008
Contra o medo
Nas últimas semanas, no quadro da minha intervenção cívica e política, tenho percorrido o País, para falar de política da esperança. De como é possível ultrapassar os inúmeros obstáculos que temos pela frente, se juntos nisso nos empenharmos, dando o melhor de nós próprios. Se arregaçarmos as mangas e deitarmos mãos à obra. É óbvio que esta tarefa é particularmente difícil nestes dias, em que se acumulam as más notícias e as nuvens negras sobre o horizonte se vão acumulando. Mas, mais do que nunca, é fundamental. Sem esperança, afundamo-nos.
Por entre a riqueza desta experiência, onde nos vamos cruzando com um país real cheio de potencialidades, mas também amarrado por vários bloqueios, vou anotando muitas esperanças e algumas preocupações. Entre estas, destaca-se o medo omnipresente. Sim, o medo. Nunca imaginei que trinta e quatro anos depois da festa da liberdade, tanta gente vivesse tolhida pelo medo. Medo de tudo e medo de nada. Do chefe, do presidente da câmara, do Estado, do SIS, da ASAE, do fisco, enfim, de tudo o que mexe. Medo de represálias, de vinganças, de negócios perdidos, de oportunidades goradas. Medo de falar ao telefone e ser escutado, medo de servir alheiras e ser multado. Medo atrás de medo. Este é um medo que nos paralisa; um medo que nos descaracteriza. Curiosamente, esta expressão é inversamente proporcional à dimensão do sítio – quanto mais pequeno o lugar, mais evidente o medo – e directamente proporcional à formação dos visados – quanto mais diferenciada a pessoa, maior o medo.
Ficou famoso o discurso, há mais de um ano, na sessão comemorativa do 25 de Abril, que o Deputado Paulo Castro Rangel proferiu na Assembleia da República, clamando contra a claustrofobia democrática. Hoje, concordo mais com a sua preocupação, do que nessa altura. É urgente reagir contra o medo. Mas a primeira e decisiva reacção passa, não tanto por acusar este ou aquele protagonista, mas por termos consciência de que quem não reage contra o medo, acaba seu prisioneiro. Mais: alimenta-o e vai aumentado o seu domínio, até que o medo se torna senhor absoluto. Ao contrário, quem reage contra o medo, sacode-o e fá-lo recuar. Quase sempre, quem gera medo é cobarde quando enfrentado. Por isso, os portugueses precisam de reencontrar coragem para levantar a cabeça e não se deixarem atemorizar. A nossa liberdade – política, religiosa, cultural - não pode ser fechada numa caixa, que ainda que tenha paredes invisíveis, não deixa de ser profundamente claustrofóbica.
Por entre a riqueza desta experiência, onde nos vamos cruzando com um país real cheio de potencialidades, mas também amarrado por vários bloqueios, vou anotando muitas esperanças e algumas preocupações. Entre estas, destaca-se o medo omnipresente. Sim, o medo. Nunca imaginei que trinta e quatro anos depois da festa da liberdade, tanta gente vivesse tolhida pelo medo. Medo de tudo e medo de nada. Do chefe, do presidente da câmara, do Estado, do SIS, da ASAE, do fisco, enfim, de tudo o que mexe. Medo de represálias, de vinganças, de negócios perdidos, de oportunidades goradas. Medo de falar ao telefone e ser escutado, medo de servir alheiras e ser multado. Medo atrás de medo. Este é um medo que nos paralisa; um medo que nos descaracteriza. Curiosamente, esta expressão é inversamente proporcional à dimensão do sítio – quanto mais pequeno o lugar, mais evidente o medo – e directamente proporcional à formação dos visados – quanto mais diferenciada a pessoa, maior o medo.
Ficou famoso o discurso, há mais de um ano, na sessão comemorativa do 25 de Abril, que o Deputado Paulo Castro Rangel proferiu na Assembleia da República, clamando contra a claustrofobia democrática. Hoje, concordo mais com a sua preocupação, do que nessa altura. É urgente reagir contra o medo. Mas a primeira e decisiva reacção passa, não tanto por acusar este ou aquele protagonista, mas por termos consciência de que quem não reage contra o medo, acaba seu prisioneiro. Mais: alimenta-o e vai aumentado o seu domínio, até que o medo se torna senhor absoluto. Ao contrário, quem reage contra o medo, sacode-o e fá-lo recuar. Quase sempre, quem gera medo é cobarde quando enfrentado. Por isso, os portugueses precisam de reencontrar coragem para levantar a cabeça e não se deixarem atemorizar. A nossa liberdade – política, religiosa, cultural - não pode ser fechada numa caixa, que ainda que tenha paredes invisíveis, não deixa de ser profundamente claustrofóbica.
Fogo cerrado
Portugal tem, é sabido, uma sociedade civil frágil. Fruto de séculos de centralismo estatal, de uma cultura de dependência dos poderes públicos e de uma aversão ao empreendedorismo social, estamos muito longe do nível desejável de pujança das instituições da sociedade civil. O terceiro sector – o que não é público, nem privado com fins lucrativos – tem que se reforçar em Portugal. Sabemos, a propósito, que os países mais desenvolvidos o são, não só pela competitividade das suas economias, mas pela força das suas comunidades e pelo empenho cívico das suas populações. É para esse modelo que devemos mover-nos: uma sociedade civil cada vez mais forte.
Ainda assim, em Portugal, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), incluindo as Misericórdias, representam mais de quatro mil instituições, com 270.000 funcionários e mobilizam 4,2% do PIB. Garantem o essencial dos serviços sociais de apoio à infância e à terceira idade. Constituem uma realidade essencial na sociedade portuguesa. Por isso, todos os esforços para as reforçar são fundamentais e todos os ataques a este tecido social constituem um erro crasso, quer porque não tendo nós uma sociedade civil forte, atacar o que temos é um disparate, quer porque damos um sinal errado, optando pela intervenção do Estado em vez de preferir o Terceiro Sector.
Infelizmente, os sinais mais recentes são preocupantes. Numa visão estratégica errada, as IPSS têm vindo a estar sob fogo cerrado. Ora é a ameaça aos ATL para crianças que durante anos estas instituições desenvolveram e que ficaram em risco pela iniciativa do Ministério da Educação ao “estatizar” a escola a tempo inteiro; ora é a ameaça da ASAE com a sua lógica insensata e a desadequada interpretação fundamentalista das leis comunitárias que cai em cima das IPSS; ora é o Ministério da Saúde que ignora o contributo que as Misericórdias poderiam dar para a resolução das listas de espera em Oftalmologia. São evidências excessivas, para considerar que se trata de coincidências. Há um ataque cerrado em curso.
Dessa forma se compreende como reacção que se assista ao agendamento de várias formas de protesto, entre as quais uma greve – inédita – nos ATL e uma manifestação em Lisboa. A sua causa merece todo o nosso apoio. Matar, ou colocar em risco sério, as IPSS constitui um erro político com danos efectivos para o País. É necessário inverter o caminho.
Ainda assim, em Portugal, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), incluindo as Misericórdias, representam mais de quatro mil instituições, com 270.000 funcionários e mobilizam 4,2% do PIB. Garantem o essencial dos serviços sociais de apoio à infância e à terceira idade. Constituem uma realidade essencial na sociedade portuguesa. Por isso, todos os esforços para as reforçar são fundamentais e todos os ataques a este tecido social constituem um erro crasso, quer porque não tendo nós uma sociedade civil forte, atacar o que temos é um disparate, quer porque damos um sinal errado, optando pela intervenção do Estado em vez de preferir o Terceiro Sector.
Infelizmente, os sinais mais recentes são preocupantes. Numa visão estratégica errada, as IPSS têm vindo a estar sob fogo cerrado. Ora é a ameaça aos ATL para crianças que durante anos estas instituições desenvolveram e que ficaram em risco pela iniciativa do Ministério da Educação ao “estatizar” a escola a tempo inteiro; ora é a ameaça da ASAE com a sua lógica insensata e a desadequada interpretação fundamentalista das leis comunitárias que cai em cima das IPSS; ora é o Ministério da Saúde que ignora o contributo que as Misericórdias poderiam dar para a resolução das listas de espera em Oftalmologia. São evidências excessivas, para considerar que se trata de coincidências. Há um ataque cerrado em curso.
Dessa forma se compreende como reacção que se assista ao agendamento de várias formas de protesto, entre as quais uma greve – inédita – nos ATL e uma manifestação em Lisboa. A sua causa merece todo o nosso apoio. Matar, ou colocar em risco sério, as IPSS constitui um erro político com danos efectivos para o País. É necessário inverter o caminho.
Natureza humana
Num tempo conturbado, atravessado por novas erupções do denominado “choque de civilizações”, onde se redesenha o mundo em função de previsíveis colisões de culturas e religiões, constitui um desafio regressar a outros passados, tão diferentes na forma, quanto iguais na essência. Terão os choques de civilizações no passado acontecido pelo conflito gerado pelas diferenças?
Nesse olhar pela História, à procura de outros “choques de civilizações”, surge como momento referencial o chamado “século cristão do Japão”, especialmente no seu epílogo, já em pleno séc. XVII. Camões, sintetizava assim esse destino então abraçado: “É Japão onde nasce a prata fina / que será ilustrada com a Lei divina”. Na abertura aos “bárbaros do sul”, esses portugueses intrépidos da era dos Descobrimentos, o Japão feudal descobriu, acolheu e, finalmente, rejeitou violentamente uma ponte entre dois mundos quase opostos que, por décadas, se interligaram.
Luís de Fróis, na época, ilustrava sistematicamente 609 exemplos de diferenças – “nós usamos do preto por dó; e os japões do branco” - no comportamento dos homens, das mulheres ou das crianças, das armas e da guerra, da arte e da alimentação, da religião e da literatura. Mais do que nos antípodas do globo, coloca a Europa e o Japão nos extremos opostos das tradições e dos costumes. E, no entanto, estas duas civilizações conviveram pacificamente ao longo de quase um século.
O momento crítico de tensão e de desencontro aconteceu quando se colocou a questão do poder. Quando os japoneses tiveram a notícia do que havia acontecido nas Filipinas, onde também tinham chegado os europeus. Aí, depois de uma primeira entrada pacífica pela religião e pelo comércio, os estrangeiros vieram a conquistar o poder, pela força, dominando os autóctones. Temendo que o mesmo lhes viesse a acontecer, os japoneses decidiram expulsar violentamente os portugueses e aquilo que eles representavam: o cristianismo.
Ora, o que tem isto a ver com os nossos dias? É simples. Os nossos conflitos nascem porque somos todos iguais. Porque partilhamos sentimentos como a ambição, a conquista, o domínio, a glória, a transformação do outro em alguém igual a nós. É próprio da natureza humana. Por isso não nos deixemos iludir por discursos que colocam nas diferenças a razão de ser dos conflitos de civilizações. O problema é efectivamente... a semelhança.
Nesse olhar pela História, à procura de outros “choques de civilizações”, surge como momento referencial o chamado “século cristão do Japão”, especialmente no seu epílogo, já em pleno séc. XVII. Camões, sintetizava assim esse destino então abraçado: “É Japão onde nasce a prata fina / que será ilustrada com a Lei divina”. Na abertura aos “bárbaros do sul”, esses portugueses intrépidos da era dos Descobrimentos, o Japão feudal descobriu, acolheu e, finalmente, rejeitou violentamente uma ponte entre dois mundos quase opostos que, por décadas, se interligaram.
Luís de Fróis, na época, ilustrava sistematicamente 609 exemplos de diferenças – “nós usamos do preto por dó; e os japões do branco” - no comportamento dos homens, das mulheres ou das crianças, das armas e da guerra, da arte e da alimentação, da religião e da literatura. Mais do que nos antípodas do globo, coloca a Europa e o Japão nos extremos opostos das tradições e dos costumes. E, no entanto, estas duas civilizações conviveram pacificamente ao longo de quase um século.
O momento crítico de tensão e de desencontro aconteceu quando se colocou a questão do poder. Quando os japoneses tiveram a notícia do que havia acontecido nas Filipinas, onde também tinham chegado os europeus. Aí, depois de uma primeira entrada pacífica pela religião e pelo comércio, os estrangeiros vieram a conquistar o poder, pela força, dominando os autóctones. Temendo que o mesmo lhes viesse a acontecer, os japoneses decidiram expulsar violentamente os portugueses e aquilo que eles representavam: o cristianismo.
Ora, o que tem isto a ver com os nossos dias? É simples. Os nossos conflitos nascem porque somos todos iguais. Porque partilhamos sentimentos como a ambição, a conquista, o domínio, a glória, a transformação do outro em alguém igual a nós. É próprio da natureza humana. Por isso não nos deixemos iludir por discursos que colocam nas diferenças a razão de ser dos conflitos de civilizações. O problema é efectivamente... a semelhança.
O nó górdio
A discussão em torno das alterações às relações laborais está na ordem do dia. As propostas avançadas pelo Governo e em debate na concertação social vão no bom caminho, mas não tocam ainda numa questão essencial.
Portugal enfrenta um enorme desafio de adequar a sua economia à dinâmica da competição global. Nessa dinâmica, se, por um lado, não deve abdicar de um Estado social e da protecção do emprego, também não pode ignorar que para sobreviver não pode manter a situação existente, repartida entre emprego eterno ou precariedade absoluta. Este é um nó górdio.
Em grande medida, temos em Portugal uma situação extremada onde parte dos trabalhadores estão completamente vulneráveis, num precariedade total, seja através dos falsos recibos verdes, seja mesmo pelo trabalho clandestino, enquanto outra parte tem tais garantias que jamais poderá ser dispensado do seu emprego. Uns têm de menos o que outros têm de mais.
Quanto aos precários, cuja revolta se começa a evidenciar, a inexistência de garantias mínimas, seja na doença ou no desemprego, bem como a total e permanente vulnerabilidade, torna a sua vida numa angústia permanente. O futuro fica suspenso e os direitos são uma miragem. Em relação aos outros, os “efectivos”, nem que caia “o Carmo e a Trindade” alguma coisa acontecerá. Ironicamente, ao mesmo tempo que se quer afirmar que o casamento não é eterno, tornando o divórcio fácil e acessível, aceita-se manter o princípio da eternidade de um contrato de trabalho. Dá que pensar.
A bem da solidariedade entre trabalhadores – para que os que têm de mais possam ceder algo aos que têm de menos - e da competitividade das nossas empresas, deveríamos estar disponíveis para alterar esta realidade, equilibrando direitos e deveres, segurança e risco. Deveríamos introduzir nas relações laborais, um combate simultâneo à precariedade e à rigidez no emprego.
Ganharíamos todos se ninguém estivesse isento de poder ser dispensado do seu emprego, com uma justa indemnização que poderia corresponder, por exemplo, a três ou quatro salários por cada ano de trabalho. Essa indemnização corresponderia a um “seguro de desemprego” que permitiria “respirar” enquanto se procura novo emprego. Em caso de insucesso recorrente no encontro de um novo emprego, então continuariam a funcionar os mecanismos de solidariedade social, através da intervenção do Estado social. Desta forma, convivendo com a possibilidade de dispensa com indemnização, os empregadores teriam muito menos hesitações na contratação e, naturalmente, existiria muito mais emprego formal. Por outro lado, para os trabalhadores, o quadro do um mercado de emprego dinâmico, com natural geração de mais oportunidades, constituiria sempre uma vantagem. Em simultâneo, haveria condições para que, desde o primeiro dia, todos os trabalhadores tivessem um contrato de trabalho sem termo certo, riscando do mapa os formatos de trabalho sem direitos sociais.
Portugal enfrenta um enorme desafio de adequar a sua economia à dinâmica da competição global. Nessa dinâmica, se, por um lado, não deve abdicar de um Estado social e da protecção do emprego, também não pode ignorar que para sobreviver não pode manter a situação existente, repartida entre emprego eterno ou precariedade absoluta. Este é um nó górdio.
Em grande medida, temos em Portugal uma situação extremada onde parte dos trabalhadores estão completamente vulneráveis, num precariedade total, seja através dos falsos recibos verdes, seja mesmo pelo trabalho clandestino, enquanto outra parte tem tais garantias que jamais poderá ser dispensado do seu emprego. Uns têm de menos o que outros têm de mais.
Quanto aos precários, cuja revolta se começa a evidenciar, a inexistência de garantias mínimas, seja na doença ou no desemprego, bem como a total e permanente vulnerabilidade, torna a sua vida numa angústia permanente. O futuro fica suspenso e os direitos são uma miragem. Em relação aos outros, os “efectivos”, nem que caia “o Carmo e a Trindade” alguma coisa acontecerá. Ironicamente, ao mesmo tempo que se quer afirmar que o casamento não é eterno, tornando o divórcio fácil e acessível, aceita-se manter o princípio da eternidade de um contrato de trabalho. Dá que pensar.
A bem da solidariedade entre trabalhadores – para que os que têm de mais possam ceder algo aos que têm de menos - e da competitividade das nossas empresas, deveríamos estar disponíveis para alterar esta realidade, equilibrando direitos e deveres, segurança e risco. Deveríamos introduzir nas relações laborais, um combate simultâneo à precariedade e à rigidez no emprego.
Ganharíamos todos se ninguém estivesse isento de poder ser dispensado do seu emprego, com uma justa indemnização que poderia corresponder, por exemplo, a três ou quatro salários por cada ano de trabalho. Essa indemnização corresponderia a um “seguro de desemprego” que permitiria “respirar” enquanto se procura novo emprego. Em caso de insucesso recorrente no encontro de um novo emprego, então continuariam a funcionar os mecanismos de solidariedade social, através da intervenção do Estado social. Desta forma, convivendo com a possibilidade de dispensa com indemnização, os empregadores teriam muito menos hesitações na contratação e, naturalmente, existiria muito mais emprego formal. Por outro lado, para os trabalhadores, o quadro do um mercado de emprego dinâmico, com natural geração de mais oportunidades, constituiria sempre uma vantagem. Em simultâneo, haveria condições para que, desde o primeiro dia, todos os trabalhadores tivessem um contrato de trabalho sem termo certo, riscando do mapa os formatos de trabalho sem direitos sociais.
06 maio 2008
O serviço do Estado
Sucessivos governos têm agendado a questão da reforma do Estado e procurado - com elevado insucesso, diga-se - transformar aquele gigante em algo de sensato e funcional. Sendo uma batalha ciclópica, nunca vencida, a renovação da missão do Estado deve ocupar lugar cimeiro em qualquer proposta política. Mas que princípios devem orientar essa missão?
Desde logo, é fundamental ter claro que a reforma do Estado não tem a ver com a simples reorganização dos seus serviços. Essa é a primeira tentação. Mas não leva longe. Na sua essência, esta reforma é, acima de tudo, cultural e de mentalidades. Sem começar por aí, toda a energia se dissipa sem resultado. Há que investir numa nova atitude de um Estado que só existe para servir o cidadão e a comunidade. A sua legitimidade decorre directamente dessa natureza. É fundamental recuperar a centralidade do conceito de “serviço” na acção do Estado.
A verdadeira reforma passa pois, por transformar cada agente do Estado num verdadeiro servidor da causa pública e dos seus concidadãos. Por isso, na sua interface com o cidadão, o Estado e os seus agentes devem organizar-se em função das necessidades da comunidade e das pessoas. De uma forma clara, há que assumir, por exemplo, que o Sistema Nacional de Saúde só existe para servir doentes, ou as Escolas para formarem estudantes, ou as repartições públicas para resolverem problemas de todos nós. Esta cultura de centragem do Estado no cidadão é um enorme desafio.
Um dos mecanismos mais úteis para esse desígnio passa pela permanente avaliação da qualidade dos serviços públicos, na óptica do cidadão-cliente. Para a concretização desse objectivo, deveria ser obrigatório após cada atendimento, o cidadão deixar a sua avaliação e esta ter consequências. Uma utilização muito mais regular dos Livros Amarelos, das caixas de sugestões e dos estudos qualitativos sobre a opinião dos utentes poderiam ser instrumentos que corporizassem esse objectivo.
Também seria um grande avanço, cada serviço público ter um Provedor do utente, permanentemente disponível para ouvir as críticas e agir em conformidade, na transformação dos procedimentos desse serviço em função de um melhor atendimento e de uma mais eficaz resolução de problemas. Esse investimento, já realizado em algumas instituições, representaria um ganho significativo não só na qualidade do serviço, mas também no combate ao desperdício de recursos – como a perda de tempo – tornando mais eficiente todo o sistema.
Uma outra medida convergente passaria pela inclusão obrigatória, no plano de actividades e no orçamento de cada serviço público, de uma linha de acção e respectivos meios financeiros, para melhoria da qualidade dos serviços prestados. A medida da relevância de uma prioridade vê-se, normalmente, nos meios que lhe são atribuídos. E é para este objectivo que devem, em primeiro lugar, ser direccionados os recursos existentes.
Desde logo, é fundamental ter claro que a reforma do Estado não tem a ver com a simples reorganização dos seus serviços. Essa é a primeira tentação. Mas não leva longe. Na sua essência, esta reforma é, acima de tudo, cultural e de mentalidades. Sem começar por aí, toda a energia se dissipa sem resultado. Há que investir numa nova atitude de um Estado que só existe para servir o cidadão e a comunidade. A sua legitimidade decorre directamente dessa natureza. É fundamental recuperar a centralidade do conceito de “serviço” na acção do Estado.
A verdadeira reforma passa pois, por transformar cada agente do Estado num verdadeiro servidor da causa pública e dos seus concidadãos. Por isso, na sua interface com o cidadão, o Estado e os seus agentes devem organizar-se em função das necessidades da comunidade e das pessoas. De uma forma clara, há que assumir, por exemplo, que o Sistema Nacional de Saúde só existe para servir doentes, ou as Escolas para formarem estudantes, ou as repartições públicas para resolverem problemas de todos nós. Esta cultura de centragem do Estado no cidadão é um enorme desafio.
Um dos mecanismos mais úteis para esse desígnio passa pela permanente avaliação da qualidade dos serviços públicos, na óptica do cidadão-cliente. Para a concretização desse objectivo, deveria ser obrigatório após cada atendimento, o cidadão deixar a sua avaliação e esta ter consequências. Uma utilização muito mais regular dos Livros Amarelos, das caixas de sugestões e dos estudos qualitativos sobre a opinião dos utentes poderiam ser instrumentos que corporizassem esse objectivo.
Também seria um grande avanço, cada serviço público ter um Provedor do utente, permanentemente disponível para ouvir as críticas e agir em conformidade, na transformação dos procedimentos desse serviço em função de um melhor atendimento e de uma mais eficaz resolução de problemas. Esse investimento, já realizado em algumas instituições, representaria um ganho significativo não só na qualidade do serviço, mas também no combate ao desperdício de recursos – como a perda de tempo – tornando mais eficiente todo o sistema.
Uma outra medida convergente passaria pela inclusão obrigatória, no plano de actividades e no orçamento de cada serviço público, de uma linha de acção e respectivos meios financeiros, para melhoria da qualidade dos serviços prestados. A medida da relevância de uma prioridade vê-se, normalmente, nos meios que lhe são atribuídos. E é para este objectivo que devem, em primeiro lugar, ser direccionados os recursos existentes.
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