01 janeiro 2008

O dia seguinte

Mais um Natal se comemorou. Com a tradição mais ou menos respeitada, em torno da agitação das festas, das prendas e das comidas, à medida de cada um, lá se passou. Tornámo-nos, provavelmente, seres exaustos. Aproveitámos, talvez, para fazer algum Bem que a corrida dos dias, ao longo do ano, não deixa tempo, nem cria ambiente. Deixámos, quem sabe, um gesto de solidariedade, aqui ou além, para os que não tiveram consoada, ou não sentiram o calor da família reunida. Mas agora, passado o dia de Natal, voltaremos ao normal, à nossa “vidinha”, sem tempo para essas coisas. Ainda não percebemos que o verdadeiro sentido do Natal se percebe – ou não – no dia seguinte.

Quando terminou toda a agitação externa, quando as luzes já não encandeiam a alma e quando os doces já não iludem o verdadeiro sabor da vida, aí estamos prontos para entender o Natal. Que encontraremos então, se soubermos ver o invisível? A experiência cristã, ao alcance pleno dos crentes, mas também entreaberta aos não-crentes, deixa-nos um Deus-menino que se tornou Homem, partilhando as contingências da nossa vida. Desde o primeiro momento de um nascimento em pobreza, até um último suspiro, pendurado injustamente numa cruz, Ele foi um de nós. Esta mensagem de um Deus que desce da sua morada grandiosa e, por Amor, se disponibiliza a viver connosco todas as vulnerabilidades humanas é extraordinária. Numa cultura judaica, onde o divino era sempre magnificente e distante, esta mensagem de um vulnerável Deus-menino era inesperada e mesmo escandalosa. Ainda hoje estamos na mesma. Custa-nos muito imaginar o rosto de Deus na simplicidade e na discrição. Mas foi isso que resultou daquela noite maravilhosa, em Belém da Judeia, há dois mil anos.

Uma outra dimensão que se descobre neste mistério cristão do Natal é um Deus-menino que se transforma em nosso Irmão. Que nos eleva à categoria de participantes na divindade. Sem distância, como se tocássemos a eternidade. Mas se percebermos bem a dimensão dessa herança do dia seguinte, em que nos descobrimos irmãos não só Dele, mas de todos os homens, o Natal ganhará uma consequência extraordinária. Como seria diferente o mundo se víssemos sempre no outro homem, um irmão! Como tudo poderia ser melhor...

Finalmente, podemos descobrir no dia seguinte, a forma como nos quis mostrar também que a força de Deus começa por repousar sobre os mais pobres e mais fracos, entre os que não têm lugar na hospedaria para nascer, entre os que, para sobreviver, têm que fugir, ainda que acabados de nascer. O dia seguinte desafia-nos, por isso, aos que temos muito. Desafia-nos a desacomodarmo-nos e, como os Magos, irmos à sua procura, nos estábulos dos nossos dias. À margem das luzes, do conforto e da fama.

Alguns, teremos a sorte de O descobrir como Deus; mas todos o poderemos ver como inspiração. Esta é a magia do dia seguinte.

(26/12/2007)

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