Há cerca de quinhentos anos, estávamos nas vésperas de um dos acontecimentos mais negros na história de Lisboa. Em três dias – de 19 a 21 de Abril de 1506 – num movimento quase espontâneo, gerado por vozes fanáticas que exploraram um sentimento anti-semita pré-existente, libertaram-se demónios que chacinaram sem dó, nem piedade, duas a quatro mil pessoas. Suspeitas de permanecerem fiéis à tradição judaica, apesar de convertidos à força ao cristianismo (cristãos-novos), estas gentes foram trucidadas numa onda de loucura colectiva.
A propósito deste acontecimento é útil aprender com a História.
O populismo para arder necessita, tal como o fogo, de combustível, comburente e calor. Esses elementos constituintes do “triângulo” do fogo precisam estar presentes simultaneamente para que o incêndio ocorra. Façamos o paralelismo: nessa altura, o combustível era representado pelas condições sociais desfavoráveis de crise grave, induzida pela seca, com consequente fome, e agravada pela peste. Ontem, como hoje, o populismo só coloca multidões irracionais em movimento quando beneficia de um contexto de crise que lhe sirva de combustível. Sem ela, não arde. Por isso, sempre que se está perante crises de grande desemprego e pobreza alargada, todos os alertas devem estar monitorizados para este risco de “incêndio” social.
Mas a crise, por si só, não é suficiente. Precisa ainda de comburente. No século XVI, o contexto de anti-semitismo viabilizou a tragédia. Qual oxigénio para o incêndio social, o preconceito em relação ao “outro” – seja ele estrangeiro, judeu ou negro – é essencial para que a combustão se dê. A existência de índices elevados de xenofobia e de racismo, o desenvolvimento de diferentes expressões de choque de civilizações e o medo instilado face a hipotéticas ameaças protagonizadas por um “outro” que nos é apresentado como desumanizado, devem constituir outro eixo de alerta.
Finalmente, na metáfora do fogo, o papel dos que instigaram à selvajaria. Aparentemente dois protagonistas terão incendiado os lisboetas com apelos ao morticínio dos cristãos-novos. Quando perante elevadas cargas de combustível social – crise, desemprego, pobreza – e de comburente – diabolização de um qualquer “outro” – alguém lança uma chama, quase sempre se produz uma grande explosão. Foi isso que aconteceu, em 1506, na capital do reino e que custou a vida a milhares de pessoas. E que se pode reproduzir sempre que o triângulo do fogo social está completo. Por isso, vozes populistas, um pouco por toda a Europa, constituem um perigo sério enquanto incendiários sociais.
Ora, tal como na prevenção e combate ao fogo, urge uma atitude sensata de lutar contra a coexistência e potenciação destes três factores, no mesmo tempo/local. A prevenção faz-se, portanto, combatendo o preconceito que é comburente, a crise que é combustível e os argumentos dos incendiários. Antes que o incêndio comece.
Correio da Manhã, 18 Abril 2007
18 abril 2007
11 abril 2007
Dever e Gratidão
“Se servistes a Pátria e ela vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, e ela o que costuma.”
P. António Vieira
Um dos nossos maiores defeitos enquanto Povo é a ingratidão perante os que servem Portugal. Somos vezes de mais, nesse domínio, grosseiros e insensíveis. Não cuidamos de reconhecer e agradecer àqueles que serviram o Bem comum, desdenhando da sua competência, da sua intenção e da sua virtude. Escondemo-nos atrás do “não fizeram mais que a sua obrigação!” ou pior ainda “se o fizeram é porque tinham algum interesse”. Como sublinhava Flaubert “aos incapazes de gratidão nunca lhes faltam razões para não a ter”. E nós por costume, somos incapazes de dizer obrigado, tornando-nos assim seres vulgares e gente sem nobreza.
Note-se que ser grato, nada tem a ver com ser servil ou bajulador. Disso, infelizmente, temos de sobra. A gratidão exerce-se sobretudo quando já não é possível ao agradecido retribuir ou recompensar tal gesto. Quando não há risco de ter alguma coisa a receber. Quando o visado está na “mó de baixo” ou quando é vítima de ataques vários, entre os quais o do esquecimento.
Trago alguns exemplos para não ficar por generalidades. Não temos vergonha enquanto Povo, que Gaspar Castelo Branco, o mais alto dirigente público assassinado por terroristas das FP 25, em 1986, nunca tenha sido homenageado e condecorado pelo Estado português? Não temos coragem para corrigir a forma vergonhosa como nos portámos, enquanto País, no momento da sua morte? Ou não temos nenhum peso na consciência, por termos deixado que personalidades políticas e servidores do Estado que serviram Portugal com tudo o que tinham e sabiam, como Leonor Beleza ou Roberto Carneiro tivessem sido triturados por notícias e processos judiciais que se vieram a provar como injustificados? Não nos escandalizamos que, inúmeras vezes, quando um servidor do Estado, seja membro de força de segurança ou outro, morre em serviço, atribuamos aos seus dependentes uma mísera pensão, normalmente depois de meses eternos de espera? Que gente somos nós?
Mas se por um lado, esta constatação nos deve fazer corar de vergonha – e fazer-nos corrigir este defeito colectivo – por outro, em nada deve beliscar o nosso sentido de dever no serviço à Pátria. Porque mesmo que esta seja ingrata, servi-la, bem como à humanidade no seu todo, é um dever. Como diz Vieira, é “fazer o que devemos”. Da melhor forma que sabemos e podemos, sem esperar recompensa. Infelizmente, nos nossos dias, desvalorizamos esta noção de serviço ao bem comum e à causa pública. Privatizamos os nossos interesses e descuramos a construção colectiva da comunidade onde nos inserimos. Não damos exemplo, nem transmitimos aos nossos filhos a paixão pelo serviço a Portugal. Cultivamos mesmo um cepticismo cínico que goza com quem “estupidamente” segue esse caminho. Mas não tenhamos dúvidas: assim, cavamos a nossa vala comum.
Correio da Manhã, 11 de Abril
P. António Vieira
Um dos nossos maiores defeitos enquanto Povo é a ingratidão perante os que servem Portugal. Somos vezes de mais, nesse domínio, grosseiros e insensíveis. Não cuidamos de reconhecer e agradecer àqueles que serviram o Bem comum, desdenhando da sua competência, da sua intenção e da sua virtude. Escondemo-nos atrás do “não fizeram mais que a sua obrigação!” ou pior ainda “se o fizeram é porque tinham algum interesse”. Como sublinhava Flaubert “aos incapazes de gratidão nunca lhes faltam razões para não a ter”. E nós por costume, somos incapazes de dizer obrigado, tornando-nos assim seres vulgares e gente sem nobreza.
Note-se que ser grato, nada tem a ver com ser servil ou bajulador. Disso, infelizmente, temos de sobra. A gratidão exerce-se sobretudo quando já não é possível ao agradecido retribuir ou recompensar tal gesto. Quando não há risco de ter alguma coisa a receber. Quando o visado está na “mó de baixo” ou quando é vítima de ataques vários, entre os quais o do esquecimento.
Trago alguns exemplos para não ficar por generalidades. Não temos vergonha enquanto Povo, que Gaspar Castelo Branco, o mais alto dirigente público assassinado por terroristas das FP 25, em 1986, nunca tenha sido homenageado e condecorado pelo Estado português? Não temos coragem para corrigir a forma vergonhosa como nos portámos, enquanto País, no momento da sua morte? Ou não temos nenhum peso na consciência, por termos deixado que personalidades políticas e servidores do Estado que serviram Portugal com tudo o que tinham e sabiam, como Leonor Beleza ou Roberto Carneiro tivessem sido triturados por notícias e processos judiciais que se vieram a provar como injustificados? Não nos escandalizamos que, inúmeras vezes, quando um servidor do Estado, seja membro de força de segurança ou outro, morre em serviço, atribuamos aos seus dependentes uma mísera pensão, normalmente depois de meses eternos de espera? Que gente somos nós?
Mas se por um lado, esta constatação nos deve fazer corar de vergonha – e fazer-nos corrigir este defeito colectivo – por outro, em nada deve beliscar o nosso sentido de dever no serviço à Pátria. Porque mesmo que esta seja ingrata, servi-la, bem como à humanidade no seu todo, é um dever. Como diz Vieira, é “fazer o que devemos”. Da melhor forma que sabemos e podemos, sem esperar recompensa. Infelizmente, nos nossos dias, desvalorizamos esta noção de serviço ao bem comum e à causa pública. Privatizamos os nossos interesses e descuramos a construção colectiva da comunidade onde nos inserimos. Não damos exemplo, nem transmitimos aos nossos filhos a paixão pelo serviço a Portugal. Cultivamos mesmo um cepticismo cínico que goza com quem “estupidamente” segue esse caminho. Mas não tenhamos dúvidas: assim, cavamos a nossa vala comum.
Correio da Manhã, 11 de Abril
06 abril 2007
Lavar os pés?!!
Aproximam-se os dias mais sagrados do calendário cristão. A Páscoa, núcleo central da fé cristã, desdobra-se por toda uma semana que vai da aclamação na entrada em Jerusalém, até à “derrota” da crucificação que é ultrapassada pela glória da ressurreição, três dias depois. A este propósito e independentemente das convicções religiosas de cada um, mesmo para aqueles que nada têm a ver com o cristianismo, vale a pena rever a fascinante figura histórica de Jesus, nalguns dos seus traços essenciais.
Judeu de há dois mil anos, nascido em família humilde, ainda que da linhagem real de David, esta figura mudou a história da humanidade e, mais do que isso, continua a poder transformá-la significativamente. Entre tudo o que disse e fez, multiplicaram-se os paradoxos e os inesperados. Quase nada foi linear ou óbvio. Mas nessa surpreendente cascata de gestos e palavras, encontramos inspiração para o que poderia ser um mundo melhor. Independentemente de sermos cristãos.
Nesse contexto, situemo-nos, nestes dias, na descrição de uma das etapas finais – e centrais - da vida de Jesus. Depois de ter entrado em Jerusalém aclamado pelas multidões, Ele sabe o que o espera nos dias seguintes. As multidões mudam com excessiva facilidade e não há nada mais volátil que a fama. Nos bastidores, os poderes instalados temem-No e procuram, por todas as vias, derrotá-Lo. Antecipando tudo o que vai acontecer, reúne os Seus amigos e seguidores num jantar. Antes de o iniciar, para escândalo dos seus comensais – “Senhor, tu lavares-me os pés? Nunca!”, diz o seu amigo Pedro - pega numa bacia e numa toalha e começa a lavar os pés aos que estavam com Ele.
Ora no contexto da época, esse gesto era da responsabilidade dos servos humildes. Á chegada dos convidados lavavam-lhes os pés sujos e empoeirados do caminho, para que ficassem mais confortáveis. Mas nunca o senhor da casa fazia tal gesto. Como era então possível que Aquele que se anunciava como o Filho de Deus se humilhasse aos olhos dos seus contemporâneos? A razão é simples: quanto maior, mais servidor dos outros. Aí está a verdadeira grandeza. Mas também a provocação. Nas suas palavras, “ora se eu, sendo Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.”
Olhemos este desafio somente com os nossos olhos laicos, mesmo sem fé ou compromisso religioso.
Tal como naquele tempo, ainda hoje temos muita repugnância em aderir a esta inversão das nossas expectativas. Ambicionar o servir - e não o ser servido - como meta e expressão de plenitude muda tudo. Essa mensagem verdadeiramente revolucionária, poderia ser inspiradora para os nossos dias. Se cada um de nós, particularmente os que têm mais responsabilidade, onde quer que seja, procurasse acima de tudo servir humildemente, o mundo seria muito diferente. Mas nunca é tarde para começar.
Correio da Manhã, 4 Abril 2007
Judeu de há dois mil anos, nascido em família humilde, ainda que da linhagem real de David, esta figura mudou a história da humanidade e, mais do que isso, continua a poder transformá-la significativamente. Entre tudo o que disse e fez, multiplicaram-se os paradoxos e os inesperados. Quase nada foi linear ou óbvio. Mas nessa surpreendente cascata de gestos e palavras, encontramos inspiração para o que poderia ser um mundo melhor. Independentemente de sermos cristãos.
Nesse contexto, situemo-nos, nestes dias, na descrição de uma das etapas finais – e centrais - da vida de Jesus. Depois de ter entrado em Jerusalém aclamado pelas multidões, Ele sabe o que o espera nos dias seguintes. As multidões mudam com excessiva facilidade e não há nada mais volátil que a fama. Nos bastidores, os poderes instalados temem-No e procuram, por todas as vias, derrotá-Lo. Antecipando tudo o que vai acontecer, reúne os Seus amigos e seguidores num jantar. Antes de o iniciar, para escândalo dos seus comensais – “Senhor, tu lavares-me os pés? Nunca!”, diz o seu amigo Pedro - pega numa bacia e numa toalha e começa a lavar os pés aos que estavam com Ele.
Ora no contexto da época, esse gesto era da responsabilidade dos servos humildes. Á chegada dos convidados lavavam-lhes os pés sujos e empoeirados do caminho, para que ficassem mais confortáveis. Mas nunca o senhor da casa fazia tal gesto. Como era então possível que Aquele que se anunciava como o Filho de Deus se humilhasse aos olhos dos seus contemporâneos? A razão é simples: quanto maior, mais servidor dos outros. Aí está a verdadeira grandeza. Mas também a provocação. Nas suas palavras, “ora se eu, sendo Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.”
Olhemos este desafio somente com os nossos olhos laicos, mesmo sem fé ou compromisso religioso.
Tal como naquele tempo, ainda hoje temos muita repugnância em aderir a esta inversão das nossas expectativas. Ambicionar o servir - e não o ser servido - como meta e expressão de plenitude muda tudo. Essa mensagem verdadeiramente revolucionária, poderia ser inspiradora para os nossos dias. Se cada um de nós, particularmente os que têm mais responsabilidade, onde quer que seja, procurasse acima de tudo servir humildemente, o mundo seria muito diferente. Mas nunca é tarde para começar.
Correio da Manhã, 4 Abril 2007
01 abril 2007
Dispostos a dar?
Cinquenta anos de utopia construída é obra. Contra ventos e marés, cumpriu-se por estes dias meio século de existência do que hoje chamamos União Europeia. Apesar de não termos estado entre os seis fundadores, devemos festejar este momento histórico desta Europa a que pertencemos. Mas, em tempo de festa, é uma boa oportunidade para regressar às origens e actualizar o projecto, revivificando-o.
Porque é que nasceu a Europa?
É bom lembrar que a ideia de uma comunidade europeia surge no contexto de um continente em escombros, após a IIª Guerra mundial, ainda mais brutal que a primeira. Apesar de só indirectamente termos sentido os efeitos dessa catástrofe é importante não a esquecer, bem como ter presente que o risco da sua repetição nunca está definitivamente afastado. O melhor antídoto para evitar novos tempos sombrios é persistir na inspiração dos que, a partir de uma Europa dilacerada e dividida entre inimigos, ousaram pensar diferente.
Com efeito, os homens que lutaram por este sonho que se tornou realidade – Schuman, Adenauer, Monnet, entre outros – sabiam que a construção de um futuro de paz, num continente tradicionalmente devorado por guerras cíclicas, só seria possível num quadro de uma maior justiça e redistribuição solidária da riqueza. Mas também de interdependência e com um mercado comum, de livre circulação de bens, capitais e trabalhadores. E o mais extraordinário é que foram capazes de o fazer entre potências inimigas, saídas de uma guerra. Ao colocarem o seu futuro nas mãos uns dos outros, criaram condições para que ninguém fosse dispensável e que se tornasse inviável uma nova Guerra. Dizia Schuman: “A Europa unida prefigura a solidariedade universal do futuro..Estendemos a mão aos nossos inimigos, não apenas para nos reconciliarmos, mas para construirmos juntos a Europa do amanhã” Como resultado, tivemos cinquenta anos de paz e de um desenvolvimento extraordinário. Essa é a perspectiva fundadora do projecto europeu, com a qual se deve estar em sintonia absoluta. Por isso, para o nosso tempo é fundamental recuperar esta inspiração original da fundação da Comunidade Europeia, percebendo que é no repartir que está o ganho. Só teremos sucesso juntos.
Ora, entre nós, temos da União Europeia, tantas vezes, uma visão utilitarista e egoísta, de quem está sempre à espera de receber alguma coisa, nomeadamente, fundos comunitários. Discutimos muito pouco o que temos a dar. Evitamos pensar sobre o que podemos contribuir para que concretize o princípio de solidariedade com os mais pobres, que aguardam à porta da União a sua oportunidade de entrar. Mas essa é mesmo a questão fundamental: o que estamos dispostos a dar? Temo que a resposta possa ser “nada” ou “muito pouco”. Mas se assim o for, saibamos que estamos fora do espírito europeu.
Na comemoração do cinquentenário, numa ocasião histórica em que um Português, pela primeira vez, preside aos destinos da Comissão Europeia, é uma boa altura para reforçarmos a nossa pertença a este projecto, estando disponíveis para dar o melhor de nós, para continuar a construir um continente de paz.
Correio da Manhã, 28 de Março 2007
Porque é que nasceu a Europa?
É bom lembrar que a ideia de uma comunidade europeia surge no contexto de um continente em escombros, após a IIª Guerra mundial, ainda mais brutal que a primeira. Apesar de só indirectamente termos sentido os efeitos dessa catástrofe é importante não a esquecer, bem como ter presente que o risco da sua repetição nunca está definitivamente afastado. O melhor antídoto para evitar novos tempos sombrios é persistir na inspiração dos que, a partir de uma Europa dilacerada e dividida entre inimigos, ousaram pensar diferente.
Com efeito, os homens que lutaram por este sonho que se tornou realidade – Schuman, Adenauer, Monnet, entre outros – sabiam que a construção de um futuro de paz, num continente tradicionalmente devorado por guerras cíclicas, só seria possível num quadro de uma maior justiça e redistribuição solidária da riqueza. Mas também de interdependência e com um mercado comum, de livre circulação de bens, capitais e trabalhadores. E o mais extraordinário é que foram capazes de o fazer entre potências inimigas, saídas de uma guerra. Ao colocarem o seu futuro nas mãos uns dos outros, criaram condições para que ninguém fosse dispensável e que se tornasse inviável uma nova Guerra. Dizia Schuman: “A Europa unida prefigura a solidariedade universal do futuro..Estendemos a mão aos nossos inimigos, não apenas para nos reconciliarmos, mas para construirmos juntos a Europa do amanhã” Como resultado, tivemos cinquenta anos de paz e de um desenvolvimento extraordinário. Essa é a perspectiva fundadora do projecto europeu, com a qual se deve estar em sintonia absoluta. Por isso, para o nosso tempo é fundamental recuperar esta inspiração original da fundação da Comunidade Europeia, percebendo que é no repartir que está o ganho. Só teremos sucesso juntos.
Ora, entre nós, temos da União Europeia, tantas vezes, uma visão utilitarista e egoísta, de quem está sempre à espera de receber alguma coisa, nomeadamente, fundos comunitários. Discutimos muito pouco o que temos a dar. Evitamos pensar sobre o que podemos contribuir para que concretize o princípio de solidariedade com os mais pobres, que aguardam à porta da União a sua oportunidade de entrar. Mas essa é mesmo a questão fundamental: o que estamos dispostos a dar? Temo que a resposta possa ser “nada” ou “muito pouco”. Mas se assim o for, saibamos que estamos fora do espírito europeu.
Na comemoração do cinquentenário, numa ocasião histórica em que um Português, pela primeira vez, preside aos destinos da Comissão Europeia, é uma boa altura para reforçarmos a nossa pertença a este projecto, estando disponíveis para dar o melhor de nós, para continuar a construir um continente de paz.
Correio da Manhã, 28 de Março 2007
Tecto de Vidro
Indiscutivelmente, a nossa sociedade mudou muito – e para melhor - nas últimas décadas, fruto de inúmeras reformas programadas e de acasos felizes. Aumento do nível de escolaridade por democratização do acesso, alteração do estatuto da mulher, melhoria global do nível de vida e terciarização acelerada são algumas das alavancas dessa transformação. Assim se reduziu o determinismo a que estavam sujeitas, há algumas décadas, as novas gerações na sua mobilidade social. É bom lembrar que durante séculos, filho de sapateiro, sapateiro seria. Nesse tempo, seria heresia pensar-lhe outro destino. Hoje já não é obrigatoriamente assim. Claro que ainda restam limitações, mas, por regra, ninguém vê bloqueada a sua mobilidade social só por causa da origem humilde da sua família. É bom que possamos transmitir às novas gerações que está ao seu alcance construírem o futuro que ambicionam e que será muito mais importante o seu mérito pessoal que a origem familiar ou social. Aliás, a nossa sociedade deve ser, cada vez mais, meritocrática.
Neste contexto, tanto o Professor Cavaco Silva, como o Eng. José Sócrates são um exemplo inspirador. Nenhum deles vem de “berço de ouro” e, apesar disso, atingiram os mais altos cargos da Nação. Têm nesse percurso um mérito pessoal inquestionável, mas beneficiaram também de uma sociedade que desbloqueou o “elevador social”. São um excelente incentivo a que outros não se sintam derrotados à partida, destinados a reproduzir o mesmo estatuto social dos progenitores.
Mas há um grupo para o qual este destino – reproduzir o estatuto social dos pais - ainda é uma realidade: os descendentes de imigrantes e de minorias étnicas, particularmente os provenientes de bairros pobres e guetizados em torno de Lisboa e Setúbal. Para eles, a simples referência no seu curriculum a uma morada da Cova da Moura, na Amadora, ou da Belavista, em Setúbal é sinónimo de nem sequer chegar à entrevista. A cor da sua pele, evidenciada na sua fotografia, tem o mesmo efeito. O facto de não terem nacionalidade portuguesa, apesar de aqui terem nascido, acrescenta mais um obstáculo.
Esta discriminação é, quase sempre, subtil e não acontece por faltarem leis que a proíbam. É um “tecto de vidro” que, mesmo não se vendo, os próprios sentem-no violentamente. A sua existência não os deixa ascender a níveis superiores de integração social e profissional, exclusivamente por causa da sua origem étnica ou social. Isso constitui uma fonte de revolta e uma enorme injustiça que urge reparar. A ascensão social deve ser resultado exclusivo do seu mérito, independentemente da cor da pele, ou do local onde mora. Hoje, que é o Dia Internacional que as Nações Unidas dedicam à eliminação da Discriminação Racial, deveríamos lembrar estes tectos de vidro e fazer alguma coisa para os destruir. No jogo da vida, há que garantir, à partida, igualdade de oportunidades para todos. Para que alguns não entrem já com a derrota inscrita no seu destino.
Correio da Manhã, 21 Março 2007
Neste contexto, tanto o Professor Cavaco Silva, como o Eng. José Sócrates são um exemplo inspirador. Nenhum deles vem de “berço de ouro” e, apesar disso, atingiram os mais altos cargos da Nação. Têm nesse percurso um mérito pessoal inquestionável, mas beneficiaram também de uma sociedade que desbloqueou o “elevador social”. São um excelente incentivo a que outros não se sintam derrotados à partida, destinados a reproduzir o mesmo estatuto social dos progenitores.
Mas há um grupo para o qual este destino – reproduzir o estatuto social dos pais - ainda é uma realidade: os descendentes de imigrantes e de minorias étnicas, particularmente os provenientes de bairros pobres e guetizados em torno de Lisboa e Setúbal. Para eles, a simples referência no seu curriculum a uma morada da Cova da Moura, na Amadora, ou da Belavista, em Setúbal é sinónimo de nem sequer chegar à entrevista. A cor da sua pele, evidenciada na sua fotografia, tem o mesmo efeito. O facto de não terem nacionalidade portuguesa, apesar de aqui terem nascido, acrescenta mais um obstáculo.
Esta discriminação é, quase sempre, subtil e não acontece por faltarem leis que a proíbam. É um “tecto de vidro” que, mesmo não se vendo, os próprios sentem-no violentamente. A sua existência não os deixa ascender a níveis superiores de integração social e profissional, exclusivamente por causa da sua origem étnica ou social. Isso constitui uma fonte de revolta e uma enorme injustiça que urge reparar. A ascensão social deve ser resultado exclusivo do seu mérito, independentemente da cor da pele, ou do local onde mora. Hoje, que é o Dia Internacional que as Nações Unidas dedicam à eliminação da Discriminação Racial, deveríamos lembrar estes tectos de vidro e fazer alguma coisa para os destruir. No jogo da vida, há que garantir, à partida, igualdade de oportunidades para todos. Para que alguns não entrem já com a derrota inscrita no seu destino.
Correio da Manhã, 21 Março 2007
É possível
Havia um dogma na Televisão em Portugal: em regime de concorrência, não era possível fazer programação de qualidade e com audiência. Qualquer aposta na qualidade, seria sempre condenada a um falhanço de audiência e audiências de sucesso significariam, invariavelmente, uma má qualidade. Esta predestinação limitava quer a ousadia dos profissionais, quer a inteligência do público. A opção para quem queria muitos telespectadores era só uma: tele-lixo. Era comum, então, dizer-se que o público tinha a televisão que merecia.
Mas algo mudou, nestes últimos anos, sob o impulso de decisores políticos clarividentes, em diferentes Governos. Passo a passo, com determinação e génio, a RTP 1 tem vindo a mostrar que, afinal, é possível. Com uma programação inteligente e com bom-gosto, sem pretensiosismos bacocos, nem cedências gratuitas, o canal público tem mostrado o caminho. Soube evitar armadilha de confundir qualidade com snobismo ou seriedade com cinzentismo. Subtraíram a definição de “qualidade” do domínio dos intelectuais e tornaram-na popular. Com os Gatos, mas também com Dança Comigo; com a ficção portuguesa clássica, mas também com a Contra-Informação. E os resultados apareceram.
Neste roteiro está também uma informação credível, onde com o seu principal produto – o Telejornal - é líder de mercado. O risco de promover um grande debate semanal – Prós e Contras - e de colocar as Grandes Entrevistas em horário nobre foi recompensado pelo público. Este também continua a apreciar os momentos de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Vitorino, dois dos mais brilhantes comunicadores do nosso espectro mediático. As críticas quanto a independência (ou falta dela) da informação não colhem, apesar de, aqui e além, poderem ser discutíveis os critérios editoriais. Mas, onde não o são?
É evidente que isto não significa que tenha atingido a perfeição. Longe disso. Aliás, é bom que os líderes desta revolução tranquila - seja a Administração da RTP, sejam Luís Marinho e Nuno Santos - não se deixem adormecer por estes sucessos. É importante que, no caminho trilhado, se vá mais longe. Sem quebras, nem hesitações. Porque se é possível fazer televisão com qualidade que os espectadores vêem, então há a obrigação de a fazer. Já não há desculpas. É possível.
Correio da Manhã, 14 Março 2007
Mas algo mudou, nestes últimos anos, sob o impulso de decisores políticos clarividentes, em diferentes Governos. Passo a passo, com determinação e génio, a RTP 1 tem vindo a mostrar que, afinal, é possível. Com uma programação inteligente e com bom-gosto, sem pretensiosismos bacocos, nem cedências gratuitas, o canal público tem mostrado o caminho. Soube evitar armadilha de confundir qualidade com snobismo ou seriedade com cinzentismo. Subtraíram a definição de “qualidade” do domínio dos intelectuais e tornaram-na popular. Com os Gatos, mas também com Dança Comigo; com a ficção portuguesa clássica, mas também com a Contra-Informação. E os resultados apareceram.
Neste roteiro está também uma informação credível, onde com o seu principal produto – o Telejornal - é líder de mercado. O risco de promover um grande debate semanal – Prós e Contras - e de colocar as Grandes Entrevistas em horário nobre foi recompensado pelo público. Este também continua a apreciar os momentos de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Vitorino, dois dos mais brilhantes comunicadores do nosso espectro mediático. As críticas quanto a independência (ou falta dela) da informação não colhem, apesar de, aqui e além, poderem ser discutíveis os critérios editoriais. Mas, onde não o são?
É evidente que isto não significa que tenha atingido a perfeição. Longe disso. Aliás, é bom que os líderes desta revolução tranquila - seja a Administração da RTP, sejam Luís Marinho e Nuno Santos - não se deixem adormecer por estes sucessos. É importante que, no caminho trilhado, se vá mais longe. Sem quebras, nem hesitações. Porque se é possível fazer televisão com qualidade que os espectadores vêem, então há a obrigação de a fazer. Já não há desculpas. É possível.
Correio da Manhã, 14 Março 2007
Oportunidade ou Ameaça?
Conclui-se hoje, na Fundação Gulbenkian, o Colóquio Internacional dedicado à Imigração que escolheu como ângulo de análise, a dicotomia “ameaça ou oportunidade” para reflectir sobre este fenómeno incontornável do nosso tempo.
Não restam dúvidas que a imigração, se legalmente regulada e socialmente integrada, representa uma oportunidade extraordinária, quer para os países de origem, quer para os países de acolhimento, quer sobretudo para os próprios migrantes. Estes, entre os quais se contam 4,5 milhões de portugueses, encontram na sua emigração uma oportunidade para mudar de vida, cortando as amarras à pobreza, ao desemprego e aos horizontes limitados. Labutando e sofrendo, comem do pão que o diabo amassou, mas mudam o seu destino e o das suas famílias. Ajudam que ficou para trás e abrem caminho para os seus sigam em frente. Oferecem-lhes um futuro onde nunca chegariam não fora a oportunidade da emigração.
Mas os países de acolhimento beneficiam igualmente deste fluxo migrante. Através da resposta que os imigrantes dão a postos de trabalho livres, que os nacionais não querem ou não podem ocupar, estes países têm a oportunidade, através da imigração, de manter as suas economias competitivas. A estas sociedades, os imigrantes somam-lhes empreendedorismo e subtraem-lhes preguiça. Dão-lhes diversidade e retiram-lhes velhice. Não é por acaso, que entre os países mais poderosos estão nações de migrantes, como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália, ou outros países com uma longa tradição de acolhimento de imigrantes, como a Alemanha.
Finalmente, também os países de origem vêem nestes movimentos migratórios uma oportunidade de reduzir a pressão de desemprego e de gerar remessas futuras. Estas representaram para Portugal, no ano passado, cerca de 2.420 milhões de Euros.
Mas todas as realidades têm duas faces. Indiscutivelmente, as migrações podem constituir uma ameaça, nomeadamente à coesão social, se as partes envolvidas ignorarem as suas responsabilidades em termos de integração. Tanto sociedades de acolhimento, quanto cidadãos imigrantes, são responsáveis pela integração, num processo dinâmico, interactivo e de adaptação mútua. Se aos nacionais é pedido que reconheçam e respeitem todos os direitos de cidadania aos imigrantes, destes é esperado que assumam todas as responsabilidades de um cidadão. Quem acolhe um imigrante, responsabiliza-se por integrá-lo. Quem escolhe um país de destino, obriga-se a respeitá-lo.
O processo de integração deve ser, por isso, motivo de convergência de esforços de todos – nacionais e imigrantes – para que os riscos da exclusão social, do medo e da desconfiança não transformem a extraordinária oportunidade que imigração representa, numa sombria ameaça que ninguém deseja. E não podemos guardar para amanhã, essa responsabilidade de hoje.
Correio da Manhã, 7 Março 2007
Não restam dúvidas que a imigração, se legalmente regulada e socialmente integrada, representa uma oportunidade extraordinária, quer para os países de origem, quer para os países de acolhimento, quer sobretudo para os próprios migrantes. Estes, entre os quais se contam 4,5 milhões de portugueses, encontram na sua emigração uma oportunidade para mudar de vida, cortando as amarras à pobreza, ao desemprego e aos horizontes limitados. Labutando e sofrendo, comem do pão que o diabo amassou, mas mudam o seu destino e o das suas famílias. Ajudam que ficou para trás e abrem caminho para os seus sigam em frente. Oferecem-lhes um futuro onde nunca chegariam não fora a oportunidade da emigração.
Mas os países de acolhimento beneficiam igualmente deste fluxo migrante. Através da resposta que os imigrantes dão a postos de trabalho livres, que os nacionais não querem ou não podem ocupar, estes países têm a oportunidade, através da imigração, de manter as suas economias competitivas. A estas sociedades, os imigrantes somam-lhes empreendedorismo e subtraem-lhes preguiça. Dão-lhes diversidade e retiram-lhes velhice. Não é por acaso, que entre os países mais poderosos estão nações de migrantes, como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália, ou outros países com uma longa tradição de acolhimento de imigrantes, como a Alemanha.
Finalmente, também os países de origem vêem nestes movimentos migratórios uma oportunidade de reduzir a pressão de desemprego e de gerar remessas futuras. Estas representaram para Portugal, no ano passado, cerca de 2.420 milhões de Euros.
Mas todas as realidades têm duas faces. Indiscutivelmente, as migrações podem constituir uma ameaça, nomeadamente à coesão social, se as partes envolvidas ignorarem as suas responsabilidades em termos de integração. Tanto sociedades de acolhimento, quanto cidadãos imigrantes, são responsáveis pela integração, num processo dinâmico, interactivo e de adaptação mútua. Se aos nacionais é pedido que reconheçam e respeitem todos os direitos de cidadania aos imigrantes, destes é esperado que assumam todas as responsabilidades de um cidadão. Quem acolhe um imigrante, responsabiliza-se por integrá-lo. Quem escolhe um país de destino, obriga-se a respeitá-lo.
O processo de integração deve ser, por isso, motivo de convergência de esforços de todos – nacionais e imigrantes – para que os riscos da exclusão social, do medo e da desconfiança não transformem a extraordinária oportunidade que imigração representa, numa sombria ameaça que ninguém deseja. E não podemos guardar para amanhã, essa responsabilidade de hoje.
Correio da Manhã, 7 Março 2007
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