06 abril 2007

Lavar os pés?!!

Aproximam-se os dias mais sagrados do calendário cristão. A Páscoa, núcleo central da fé cristã, desdobra-se por toda uma semana que vai da aclamação na entrada em Jerusalém, até à “derrota” da crucificação que é ultrapassada pela glória da ressurreição, três dias depois. A este propósito e independentemente das convicções religiosas de cada um, mesmo para aqueles que nada têm a ver com o cristianismo, vale a pena rever a fascinante figura histórica de Jesus, nalguns dos seus traços essenciais.

Judeu de há dois mil anos, nascido em família humilde, ainda que da linhagem real de David, esta figura mudou a história da humanidade e, mais do que isso, continua a poder transformá-la significativamente. Entre tudo o que disse e fez, multiplicaram-se os paradoxos e os inesperados. Quase nada foi linear ou óbvio. Mas nessa surpreendente cascata de gestos e palavras, encontramos inspiração para o que poderia ser um mundo melhor. Independentemente de sermos cristãos.

Nesse contexto, situemo-nos, nestes dias, na descrição de uma das etapas finais – e centrais - da vida de Jesus. Depois de ter entrado em Jerusalém aclamado pelas multidões, Ele sabe o que o espera nos dias seguintes. As multidões mudam com excessiva facilidade e não há nada mais volátil que a fama. Nos bastidores, os poderes instalados temem-No e procuram, por todas as vias, derrotá-Lo. Antecipando tudo o que vai acontecer, reúne os Seus amigos e seguidores num jantar. Antes de o iniciar, para escândalo dos seus comensais – “Senhor, tu lavares-me os pés? Nunca!”, diz o seu amigo Pedro - pega numa bacia e numa toalha e começa a lavar os pés aos que estavam com Ele.

Ora no contexto da época, esse gesto era da responsabilidade dos servos humildes. Á chegada dos convidados lavavam-lhes os pés sujos e empoeirados do caminho, para que ficassem mais confortáveis. Mas nunca o senhor da casa fazia tal gesto. Como era então possível que Aquele que se anunciava como o Filho de Deus se humilhasse aos olhos dos seus contemporâneos? A razão é simples: quanto maior, mais servidor dos outros. Aí está a verdadeira grandeza. Mas também a provocação. Nas suas palavras, “ora se eu, sendo Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.”

Olhemos este desafio somente com os nossos olhos laicos, mesmo sem fé ou compromisso religioso.

Tal como naquele tempo, ainda hoje temos muita repugnância em aderir a esta inversão das nossas expectativas. Ambicionar o servir - e não o ser servido - como meta e expressão de plenitude muda tudo. Essa mensagem verdadeiramente revolucionária, poderia ser inspiradora para os nossos dias. Se cada um de nós, particularmente os que têm mais responsabilidade, onde quer que seja, procurasse acima de tudo servir humildemente, o mundo seria muito diferente. Mas nunca é tarde para começar.


Correio da Manhã, 4 Abril 2007

1 comentário:

Paulo S S C Castro disse...

Olá Editor, gostei e sua matéria e do seu site, está de parábens!Gostária de convida-lo para conhecer o meu blog: www.revistadoprotestante.blogspot.com, estou esperando a sua visita!
Abraço