01 abril 2007

Tecto de Vidro

Indiscutivelmente, a nossa sociedade mudou muito – e para melhor - nas últimas décadas, fruto de inúmeras reformas programadas e de acasos felizes. Aumento do nível de escolaridade por democratização do acesso, alteração do estatuto da mulher, melhoria global do nível de vida e terciarização acelerada são algumas das alavancas dessa transformação. Assim se reduziu o determinismo a que estavam sujeitas, há algumas décadas, as novas gerações na sua mobilidade social. É bom lembrar que durante séculos, filho de sapateiro, sapateiro seria. Nesse tempo, seria heresia pensar-lhe outro destino. Hoje já não é obrigatoriamente assim. Claro que ainda restam limitações, mas, por regra, ninguém vê bloqueada a sua mobilidade social só por causa da origem humilde da sua família. É bom que possamos transmitir às novas gerações que está ao seu alcance construírem o futuro que ambicionam e que será muito mais importante o seu mérito pessoal que a origem familiar ou social. Aliás, a nossa sociedade deve ser, cada vez mais, meritocrática.

Neste contexto, tanto o Professor Cavaco Silva, como o Eng. José Sócrates são um exemplo inspirador. Nenhum deles vem de “berço de ouro” e, apesar disso, atingiram os mais altos cargos da Nação. Têm nesse percurso um mérito pessoal inquestionável, mas beneficiaram também de uma sociedade que desbloqueou o “elevador social”. São um excelente incentivo a que outros não se sintam derrotados à partida, destinados a reproduzir o mesmo estatuto social dos progenitores.

Mas há um grupo para o qual este destino – reproduzir o estatuto social dos pais - ainda é uma realidade: os descendentes de imigrantes e de minorias étnicas, particularmente os provenientes de bairros pobres e guetizados em torno de Lisboa e Setúbal. Para eles, a simples referência no seu curriculum a uma morada da Cova da Moura, na Amadora, ou da Belavista, em Setúbal é sinónimo de nem sequer chegar à entrevista. A cor da sua pele, evidenciada na sua fotografia, tem o mesmo efeito. O facto de não terem nacionalidade portuguesa, apesar de aqui terem nascido, acrescenta mais um obstáculo.

Esta discriminação é, quase sempre, subtil e não acontece por faltarem leis que a proíbam. É um “tecto de vidro” que, mesmo não se vendo, os próprios sentem-no violentamente. A sua existência não os deixa ascender a níveis superiores de integração social e profissional, exclusivamente por causa da sua origem étnica ou social. Isso constitui uma fonte de revolta e uma enorme injustiça que urge reparar. A ascensão social deve ser resultado exclusivo do seu mérito, independentemente da cor da pele, ou do local onde mora. Hoje, que é o Dia Internacional que as Nações Unidas dedicam à eliminação da Discriminação Racial, deveríamos lembrar estes tectos de vidro e fazer alguma coisa para os destruir. No jogo da vida, há que garantir, à partida, igualdade de oportunidades para todos. Para que alguns não entrem já com a derrota inscrita no seu destino.

Correio da Manhã, 21 Março 2007

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