Nos últimos seis meses, por duas vezes, fui à Urgência do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, com as minhas filhas. E que encontrei? Um caos? Uma vergonha? Ora, importa relatar o que encontrei. Num País habituado a reparar sempre no que corre mal, no caso marcado pela incompetência, desleixo e falta de empenho, é essencial contar a experiência que vivi.
Nas duas vezes – estatisticamente relevante, para além da sorte ou do acaso - vi um serviço de Urgência a trabalhar com enorme qualidade e competência. Com organização e método, simpatia e dedicação, toda a equipa com que me cruzei, desde o pessoal administrativo, às médicas e enfermeiras, parecia sintonizado num padrão de qualidade que o nosso olhar pessimista não esperaria num Hospital português. A realidade é muito melhor que a nossa expectativa.
Apesar de não beneficiarem de um espaço moderno e confortável, pois o Hospital acusa já o peso da idade, aqueles profissionais dão o seu melhor, no contexto que têm. Por exemplo, nalguns gabinetes médicos, são obrigados a atenderem dois doentes em simultâneo. Mas até isso reflecte uma atitude centrada no utente, visando reduzir os tempos de espera, em desfavor do seu conforto do ambiente de trabalho. Nos pequenos detalhes também marcam pontos. A pensar nos utentes, as indicações nas paredes, com cores, orientam-nos até cada serviço e nas salas de espera da radiologia ou do laboratório de análises, as pinturas infantis aliviam a tensão de estar num hospital.
Quis trazer esta experiência de utente da urgência do D. Estefânia para sinalizar vários traços que deveriam ser inspiradores para enfrentarmos os desafios que temos pela frente.
O primeiro traço é elementar, mas sistematicamente maltratado: Nós somos capazes. Simplesmente isso. Somos capazes. De nos organizarmos, de sermos acolhedores nos serviços públicos, de nos centrarmos no utentes, de imaginar soluções para além do estabelecido. Os portugueses são tão competentes como os melhores. Na administração pública, como nas IPSS, ou nas empresas. Somos capazes.
O segundo traço passa por afirmar que podemos sempre fazer melhor com o que temos. Se temos um limão, façamos uma limonada, mas façamos. Não nos queixemos de não ter laranjas, para fazer laranjada. Mesmo dos recursos mais escassos é possível tirar mais valias e não ficar à espera das condições extraordinárias para fazer sempre melhor.
Terceira ideia: Todos somos importantes. Do segurança, ao funcionário administrativo, à médica, à senhora da limpeza... o sucesso das organizações depende de todas as suas parcelas cumprirem o seu papel. Ninguém está dispensado de fazer a sua parte.
Finalmente, todos nós precisamos de reeducar o nosso olhar. Precisamos de desocultar a realidade e ver o muito de bom que temos. Só assim ganharemos força para os desafios que nos faltam vencer.
23 março 2008
O Império do hoje
Vivemos enclausurados no presente. É como se não tivéssemos passado, nem futuro. Sob a ditadura do instantâneo, debaixo da imposição da velocidade e limitados pelos ciclos curtos, vivemos já e agora. Depois logo se vê.
Quais são as consequências deste desígnio de vida? Onde nos leva esta “absolutização” do presente? Que sentido profundo para quem só conhece o imediato?
Desde logo, uma sociedade assim ignora os mais velhos. Coloca-os à margem e dispensa a sua memória. Acha-os um empecilho porque lhe lembra o passado desinteressante e deprecia-os porque são pouco produtivos na lógica do hoje. Atribui-lhes gavetas douradas, onde não devem incomodar. Permite-lhes que durem, mas não que existam verdadeiramente. Ficam pois impedidos de ser cidadãos plenos, e de nos trazer essa preciosa memória do passado, que nos ajudaria a entender o presente.
É bom não esquecer que quem ignora o passado, não aprende. Perde a densidade da experiência, a sabedoria que a tradição dos séculos nos traz. Ao cortar com o ciclo das gerações, que vão passando de mão em mão o testemunho da humanidade, dissipa-se o valor acrescentado da civilização. Esquece-se a natureza humana e ignora-se, por um lado, as suas fragilidades e, por outro, as suas potencialidades.
Precisamos de cultivar a memória do passado, sem saudosismos, nem alienações. E, para isso, necessitamos de recriar uma cidadania sénior, através da qual os mais velhos se sintam também construtores do presente. Com dignidade e valor acrescentado.
Mas há um outro lado da moeda deste império. Quem vive para o hoje, também ignora o amanhã. Não poupa, nem planta. Só desfruta. Desresponsabiliza-se da preservação dos recursos naturais e deixa o planeta aquecer. Demite-se de transmitir valores e tradições aos que nos sucedem, no pressuposto de não vale a pena. Não tem paciência, nem persistência. Não é capaz de diferir remunerações, nem de as emprestar ao futuro. Quer tudo para si e já.
Paradoxalmente, apesar de um discurso e de uma aparente prática de valorização das crianças e dos jovens, os escravos do hoje não são verdadeiramente solidários com as novas gerações. Se o fossem, agiriam diferentemente.
Temos, por isso, perante nós um enorme desafio de cultivar a solidariedade intergeracional. De reforçar uma cadeia, onde tudo se liga e na qual somos responsáveis não só pela gestão do presente, mas também por continuar o passado e viabilizar o futuro. A História não começou connosco, nem tão pouco irá acabar connosco. Por isso o império do hoje é mais uma armadilha a evitar.
Quais são as consequências deste desígnio de vida? Onde nos leva esta “absolutização” do presente? Que sentido profundo para quem só conhece o imediato?
Desde logo, uma sociedade assim ignora os mais velhos. Coloca-os à margem e dispensa a sua memória. Acha-os um empecilho porque lhe lembra o passado desinteressante e deprecia-os porque são pouco produtivos na lógica do hoje. Atribui-lhes gavetas douradas, onde não devem incomodar. Permite-lhes que durem, mas não que existam verdadeiramente. Ficam pois impedidos de ser cidadãos plenos, e de nos trazer essa preciosa memória do passado, que nos ajudaria a entender o presente.
É bom não esquecer que quem ignora o passado, não aprende. Perde a densidade da experiência, a sabedoria que a tradição dos séculos nos traz. Ao cortar com o ciclo das gerações, que vão passando de mão em mão o testemunho da humanidade, dissipa-se o valor acrescentado da civilização. Esquece-se a natureza humana e ignora-se, por um lado, as suas fragilidades e, por outro, as suas potencialidades.
Precisamos de cultivar a memória do passado, sem saudosismos, nem alienações. E, para isso, necessitamos de recriar uma cidadania sénior, através da qual os mais velhos se sintam também construtores do presente. Com dignidade e valor acrescentado.
Mas há um outro lado da moeda deste império. Quem vive para o hoje, também ignora o amanhã. Não poupa, nem planta. Só desfruta. Desresponsabiliza-se da preservação dos recursos naturais e deixa o planeta aquecer. Demite-se de transmitir valores e tradições aos que nos sucedem, no pressuposto de não vale a pena. Não tem paciência, nem persistência. Não é capaz de diferir remunerações, nem de as emprestar ao futuro. Quer tudo para si e já.
Paradoxalmente, apesar de um discurso e de uma aparente prática de valorização das crianças e dos jovens, os escravos do hoje não são verdadeiramente solidários com as novas gerações. Se o fossem, agiriam diferentemente.
Temos, por isso, perante nós um enorme desafio de cultivar a solidariedade intergeracional. De reforçar uma cadeia, onde tudo se liga e na qual somos responsáveis não só pela gestão do presente, mas também por continuar o passado e viabilizar o futuro. A História não começou connosco, nem tão pouco irá acabar connosco. Por isso o império do hoje é mais uma armadilha a evitar.
Poder Escolher
Saiu na passada segunda-feira um relatório da União Europeia sobre o risco de pobreza infantil que gerou justificadas preocupações. Ainda que se refira a dados de 2005 e que desde aí se tenham registado alguns progressos, o documento aponta para 24% de crianças expostas ao risco de pobreza. É um murro no estômago. Com agregados familiares marcados pelo desemprego e pela baixa escolaridade dos pais, muitas destas crianças parecem ter o destino traçado à nascença. A probabilidade de virem a perpetuar o ciclo da pobreza, dispondo de um (quase) grau zero de liberdade para uma vida diferente, é muito elevado. E a maior pobreza é nascer prisioneiro de uma sina.
Se algo caracteriza o melhor da natureza humana é a sua ânsia de liberdade e a sede de auto-determinação. Com efeito, o Homem nasceu para ser livre. Ao vivermos permanentemente em contexto de escolhas, é a capacidade de as fazer livre e responsavelmente que nos torna, em grande medida, senhores do nosso destino e, por isso, seres livres.
O problema é que, para aquelas crianças, as escolhas são reduzidas e predominantemente más. Por outro lado, não dispõem, muitas vezes, dos instrumentos necessários para fazer as escolhas certas. Ou ainda, estão marcados pelo círculo vicioso de escolhas erradas que outros já fizeram e das quais herdam uma pesada factura. É então que se abrem a portas a diferentes escravidões que matam a liberdade.
Com efeito, demasiadas crianças e inúmeros jovens vivem em contextos que lhes limitam as escolhas presentes e determinam prisões futuras: as crianças que vivem “fechadas na rua”; os que têm as suas famílias desestruturadas; as que vivem embebidas em violência; os que ficam fora da Escola cedo demais; as que nunca poderão começar a corrida em igualdade de circunstâncias... Que podem escolher estas crianças e jovens? Têm escolha possível?
Sublinhe-se, no entanto, que é para muitas destas crianças que vários protagonistas – Escolas, IPSS, Programa Escolhas, Programa Eliminação do Trabalho infantil... – vão dando o seu melhor, em prol da inclusão social e da construção de uma vida diferente. Nas suas múltiplas actividades, técnicos e instituições procuram aumentar os seus graus de liberdade, ajudando a alargar as escolhas possíveis. E é bom termos consciência que muito já se andou e melhorou, apesar dos imensos desafios que ainda temos pela frente. Mas há que continuar.
Devemos a estas crianças um futuro onde esteja ao seu alcance a possibilidade de escapar à pobreza onde nasceram. Só então, o seu futuro estará nas suas mãos e por ele serão responsáveis. Mas, antes...temos nós que cumprir a nossa responsabilidade.
Se algo caracteriza o melhor da natureza humana é a sua ânsia de liberdade e a sede de auto-determinação. Com efeito, o Homem nasceu para ser livre. Ao vivermos permanentemente em contexto de escolhas, é a capacidade de as fazer livre e responsavelmente que nos torna, em grande medida, senhores do nosso destino e, por isso, seres livres.
O problema é que, para aquelas crianças, as escolhas são reduzidas e predominantemente más. Por outro lado, não dispõem, muitas vezes, dos instrumentos necessários para fazer as escolhas certas. Ou ainda, estão marcados pelo círculo vicioso de escolhas erradas que outros já fizeram e das quais herdam uma pesada factura. É então que se abrem a portas a diferentes escravidões que matam a liberdade.
Com efeito, demasiadas crianças e inúmeros jovens vivem em contextos que lhes limitam as escolhas presentes e determinam prisões futuras: as crianças que vivem “fechadas na rua”; os que têm as suas famílias desestruturadas; as que vivem embebidas em violência; os que ficam fora da Escola cedo demais; as que nunca poderão começar a corrida em igualdade de circunstâncias... Que podem escolher estas crianças e jovens? Têm escolha possível?
Sublinhe-se, no entanto, que é para muitas destas crianças que vários protagonistas – Escolas, IPSS, Programa Escolhas, Programa Eliminação do Trabalho infantil... – vão dando o seu melhor, em prol da inclusão social e da construção de uma vida diferente. Nas suas múltiplas actividades, técnicos e instituições procuram aumentar os seus graus de liberdade, ajudando a alargar as escolhas possíveis. E é bom termos consciência que muito já se andou e melhorou, apesar dos imensos desafios que ainda temos pela frente. Mas há que continuar.
Devemos a estas crianças um futuro onde esteja ao seu alcance a possibilidade de escapar à pobreza onde nasceram. Só então, o seu futuro estará nas suas mãos e por ele serão responsáveis. Mas, antes...temos nós que cumprir a nossa responsabilidade.
20 fevereiro 2008
Dilema no Kosovo
Que bom seria se nos momentos de decisão na vida tudo fosse preto ou branco. Que o mal se separasse do bem por uma linha visível e clara, onde não fosse difícil perceber as fronteiras nem muito menos que lado escolher. Mas não é assim. Na maioria das vezes ficamos perante dilemas de escolha difícil em que há, frequentemente, que escolher entre dois bens ou entre dois males. Acresce que a fronteira não surge como uma linha clara mas um espaço difuso. Ter clarividência suficiente para saber gerir os dilemas e escolher bem é, na política como na vida, um desafio sempre presente. Só que não é nada fácil.
Vem isto a propósito da recente declaração unilateral de independência da província sérvia do Kosovo. De um lado, o inquestionável direito dos povos à autodeterminação, expresso claramente na Carta das Nações Unidas e que no caso do Kosovo teve na declaração de domingo passado um apoio esmagador no seu parlamento. Parece não haver dúvidas de que a maioria dos kosovares quer ser independente. Mas, por outro lado, há a instabilidade que irá ser criada numa zona já por si efervescente, a oposição determinada da Sérvia, fortemente apoiada pela Rússia, e os ressentimentos que se gerarão. Esse passivo faz evidenciar um preço altíssimo a pagar por esta decisão – pelos kosovares mas também pelos seus vizinhos e, eventualmente, por nós todos – de tal forma que se questiona se faria sentido avançar já para a independência do Kosovo.
Temos, portanto, um dilema clássico entre dois bens: a autodeterminação de um povo e a estabilidade de uma região e mesmo de um continente. Como escolher o lado em que se quer estar? Provavelmente, a resposta certa está em não escolher – simplisticamente – um dos lados mas tentar fazer a ponte. Em vez de ser uma coisa ou outra, obter uma coisa e outra. Será possível?
O grande desafio na gestão de dilemas é conseguir ser fiel aos princípios mas estar aberto a uma negociação e a um gradualismo que nos faça evitar rupturas e choques. Estes podem destruir a bondade e a justiça de um princípio. Assim, esgotar todos os recursos negociais, usando e abusando da imaginação para a construção de soluções para vitórias comuns, é o caminho certo. Com paciência, muita paciência. Só assim se conseguirá ir mais longe.
No caso concreto do Kosovo, creio que não se esgotaram todas as possibilidades negociais para tentar uma solução concertada entre todas as partes. A aspiração frenética – compreensível – pela independência por parte dos kosovares parece ter feito ‘curto-circuitar’ um caminho negocial. Dirão alguns que jamais seria possível um acordo com os sérvios. Talvez, mas nunca o saberemos. O que temos, para já, é uma situação explosiva para gerir, com uma crescente tensão entre os apoiantes de um lado e outro. Russos e americanos, com os seus aliados europeus, vão esgrimir na arena internacional os seus argumentos pró e contra a independência do Kosovo. A paz vai ter que esperar.
Vem isto a propósito da recente declaração unilateral de independência da província sérvia do Kosovo. De um lado, o inquestionável direito dos povos à autodeterminação, expresso claramente na Carta das Nações Unidas e que no caso do Kosovo teve na declaração de domingo passado um apoio esmagador no seu parlamento. Parece não haver dúvidas de que a maioria dos kosovares quer ser independente. Mas, por outro lado, há a instabilidade que irá ser criada numa zona já por si efervescente, a oposição determinada da Sérvia, fortemente apoiada pela Rússia, e os ressentimentos que se gerarão. Esse passivo faz evidenciar um preço altíssimo a pagar por esta decisão – pelos kosovares mas também pelos seus vizinhos e, eventualmente, por nós todos – de tal forma que se questiona se faria sentido avançar já para a independência do Kosovo.
Temos, portanto, um dilema clássico entre dois bens: a autodeterminação de um povo e a estabilidade de uma região e mesmo de um continente. Como escolher o lado em que se quer estar? Provavelmente, a resposta certa está em não escolher – simplisticamente – um dos lados mas tentar fazer a ponte. Em vez de ser uma coisa ou outra, obter uma coisa e outra. Será possível?
O grande desafio na gestão de dilemas é conseguir ser fiel aos princípios mas estar aberto a uma negociação e a um gradualismo que nos faça evitar rupturas e choques. Estes podem destruir a bondade e a justiça de um princípio. Assim, esgotar todos os recursos negociais, usando e abusando da imaginação para a construção de soluções para vitórias comuns, é o caminho certo. Com paciência, muita paciência. Só assim se conseguirá ir mais longe.
No caso concreto do Kosovo, creio que não se esgotaram todas as possibilidades negociais para tentar uma solução concertada entre todas as partes. A aspiração frenética – compreensível – pela independência por parte dos kosovares parece ter feito ‘curto-circuitar’ um caminho negocial. Dirão alguns que jamais seria possível um acordo com os sérvios. Talvez, mas nunca o saberemos. O que temos, para já, é uma situação explosiva para gerir, com uma crescente tensão entre os apoiantes de um lado e outro. Russos e americanos, com os seus aliados europeus, vão esgrimir na arena internacional os seus argumentos pró e contra a independência do Kosovo. A paz vai ter que esperar.
O Centro da Educação
Aparentemente, o sistema escolar desenvolveu um modelo de reflexão, planeamento e intervenção onde o Estudante – suposto centro da acção educativa, num modelo de desenvolvimento humanista – parece ser, algumas vezes, uma simples peça do processo, quase desconhecida e por isso incompreendida. Tomando-o como uma massa ainda por moldar, igual e inespecífica, o sistema, ainda que sem dolo nem sequer consciência, menospreza-o.
Consequentemente, as evidentes boas intenções dos objectivos, conteúdos e dos processos educativos esbarram num abismo para o qual não se construiu atempadamente pontes. Este abismo torna-se cada vez mais fundo, com a velocidade da mudança dos nossos tempos. Cada dia que passa a outra margem está mais longe. A velocidade da mudança, que contribui para que as gerações que convivem na Escola (professores e estudantes) se tornem mais distantes, aconselha a recuperar para o centro da discussão a prioridade ao (re)conhecimento sistemático do centro e razão de ser da Educação: os estudantes.
É urgente que não nos deixemos manietar pelos interesses (muitos deles, legítimos) do que permanece no sistema – docentes, programas, procedimentos, estrutura do Ministério – e que, por isso, têm uma capacidade de pressão mais sensível. É necessário evitar ser-se submerso por uma imensidão de problemas laterais que tendem a perturbar a clarividência sobre o centro da Educação.
É evidente que este não é um problema exclusivo da Escola. Outros importantes intervenientes no processo educativo sofrem de limitações equivalentes. Apesar dos esforços evidentes de aproximação geracional são muitos os pais que não partilham de um código que lhes permita compreender e interagir com os filhos. Mas, apesar disso, a Família parece estar a gerir melhor este objectivo de compreensão e comunicação com os filhos do que a Escola com os seus estudantes.
Neste contexto parece evidente que, se assumirmos os alunos como o centro da Educação, se torna tão necessário conhecê-los e compreendê-los quanto definir os conteúdos e os processos educativos, pois não há eficácia educativa sem um justo equilíbrio da atenção a estas duas dimensões.
Note-se que este conhecimento não se limita só a uma abordagem – aliás essencial – da Psicologia da Infância ou da Adolescência, nem, muito menos, a um simples estudo mais aprofundado da Pedagogia. É fundamental estar atento a traços mais subtis e voláteis: as tendências e as modas, os ídolos e as referências, o vocabulário e os códigos não escritos, os programas de televisão e os jogos de computador, a música e as causas deveriam ser suficientemente conhecidas para que a Educação seja eficaz.
O desafio é grande. Mas se a resposta não for esta, arriscamo-nos à total ineficácia do esforço educativo do nosso sistema.
Consequentemente, as evidentes boas intenções dos objectivos, conteúdos e dos processos educativos esbarram num abismo para o qual não se construiu atempadamente pontes. Este abismo torna-se cada vez mais fundo, com a velocidade da mudança dos nossos tempos. Cada dia que passa a outra margem está mais longe. A velocidade da mudança, que contribui para que as gerações que convivem na Escola (professores e estudantes) se tornem mais distantes, aconselha a recuperar para o centro da discussão a prioridade ao (re)conhecimento sistemático do centro e razão de ser da Educação: os estudantes.
É urgente que não nos deixemos manietar pelos interesses (muitos deles, legítimos) do que permanece no sistema – docentes, programas, procedimentos, estrutura do Ministério – e que, por isso, têm uma capacidade de pressão mais sensível. É necessário evitar ser-se submerso por uma imensidão de problemas laterais que tendem a perturbar a clarividência sobre o centro da Educação.
É evidente que este não é um problema exclusivo da Escola. Outros importantes intervenientes no processo educativo sofrem de limitações equivalentes. Apesar dos esforços evidentes de aproximação geracional são muitos os pais que não partilham de um código que lhes permita compreender e interagir com os filhos. Mas, apesar disso, a Família parece estar a gerir melhor este objectivo de compreensão e comunicação com os filhos do que a Escola com os seus estudantes.
Neste contexto parece evidente que, se assumirmos os alunos como o centro da Educação, se torna tão necessário conhecê-los e compreendê-los quanto definir os conteúdos e os processos educativos, pois não há eficácia educativa sem um justo equilíbrio da atenção a estas duas dimensões.
Note-se que este conhecimento não se limita só a uma abordagem – aliás essencial – da Psicologia da Infância ou da Adolescência, nem, muito menos, a um simples estudo mais aprofundado da Pedagogia. É fundamental estar atento a traços mais subtis e voláteis: as tendências e as modas, os ídolos e as referências, o vocabulário e os códigos não escritos, os programas de televisão e os jogos de computador, a música e as causas deveriam ser suficientemente conhecidas para que a Educação seja eficaz.
O desafio é grande. Mas se a resposta não for esta, arriscamo-nos à total ineficácia do esforço educativo do nosso sistema.
Esperanças de Portugal
Comemora-se hoje os 400 do nascimento do Padre António Vieira, um dos grandes de Portugal. Do muito que se poderia dizer nesta ocasião, ilumina-se uma das ideias mais incompreendidas – e ridicularizadas – do pregador: o V Império.
Nascido em 1608, em Lisboa, Vieira conhece a sua Pátria num contexto de profunda crise. Com o desastre de Alcácer Quibir, onde em 1578 morrera o rei D. Sebastião, Portugal ficara sem descendentes e vulnerável à anexação por Espanha, que acaba por acontecer em 1580. Entre mortes e resgates, o País fica destroçado e, longe dos tempos de euforia dos Descobrimentos, entra no seu período mais negro.
Alguns anos depois, a resistência à anexação vai começando a ganhar forma mas eram grandes os obstáculos à concretização do desígnio da Restauração. A depressão pós-Alcácer Quibir e a força dos ocupantes tornam-na quase impossível.
Quando, em 1640, acontece a Restauração da Independência, é natural que muitos lhe atribuam contornos de milagre. Mas a profunda crise que Portugal vivia à época não se poderia resolver de um dia para outro. A independência reconquistada necessitava de ser consolidada todos os dias.
António Vieira, que ruma à metrópole em 1641, liderando uma delegação da província do Brasil que vem reconhecer o novo monarca, percepciona esse novo desafio e assume essa missão, em diferentes roupagens.
Este novo combate, fê-lo o jesuíta com todo o empenho, nomeadamente no púlpito e na pena, procurando construir um capital simbólico de esperança.
Aqui estará, provavelmente, a raiz das obras – ‘Esperanças de Portugal’, ‘Quinto Império do Mundo’, ‘História do Futuro’ e ‘Chave dos Profetas’ – que, duas décadas mais tarde, vão dar corpo ao mito do V Império.
Se considerado no essencial da sua mensagem e se focado na sua principal motivação mobilizadora de uma nação em perigo, o mito do V Império de António Vieira faz falta ao Portugal contemporâneo.
Como no seu tempo, Portugal precisa de se ultrapassar e reencontrar o seu destino no Mundo. Como na sua época, o desafio do multiculturalismo, da defesa da diversidade, do diálogo entre crentes e não crentes, bem como a promoção da dignidade humana são temas em agenda.
Mas, sobretudo, em tempos de crise, onde a nação se inquieta, urge afirmar que há futuro. Que Portugal pode ser capaz, como já o foi, de mais e melhor. É fundamental actualizar as ‘Esperanças de Portugal’. E se o V Império, tal como o sonhou Vieira, está datado, o essencial da sua função – construir a esperança, criar confiança e oferecer um desígnio nacional – continua actual e necessário.
Faltam Vieiras que o digam ao nosso tempo. Com engenho e arte.
Nascido em 1608, em Lisboa, Vieira conhece a sua Pátria num contexto de profunda crise. Com o desastre de Alcácer Quibir, onde em 1578 morrera o rei D. Sebastião, Portugal ficara sem descendentes e vulnerável à anexação por Espanha, que acaba por acontecer em 1580. Entre mortes e resgates, o País fica destroçado e, longe dos tempos de euforia dos Descobrimentos, entra no seu período mais negro.
Alguns anos depois, a resistência à anexação vai começando a ganhar forma mas eram grandes os obstáculos à concretização do desígnio da Restauração. A depressão pós-Alcácer Quibir e a força dos ocupantes tornam-na quase impossível.
Quando, em 1640, acontece a Restauração da Independência, é natural que muitos lhe atribuam contornos de milagre. Mas a profunda crise que Portugal vivia à época não se poderia resolver de um dia para outro. A independência reconquistada necessitava de ser consolidada todos os dias.
António Vieira, que ruma à metrópole em 1641, liderando uma delegação da província do Brasil que vem reconhecer o novo monarca, percepciona esse novo desafio e assume essa missão, em diferentes roupagens.
Este novo combate, fê-lo o jesuíta com todo o empenho, nomeadamente no púlpito e na pena, procurando construir um capital simbólico de esperança.
Aqui estará, provavelmente, a raiz das obras – ‘Esperanças de Portugal’, ‘Quinto Império do Mundo’, ‘História do Futuro’ e ‘Chave dos Profetas’ – que, duas décadas mais tarde, vão dar corpo ao mito do V Império.
Se considerado no essencial da sua mensagem e se focado na sua principal motivação mobilizadora de uma nação em perigo, o mito do V Império de António Vieira faz falta ao Portugal contemporâneo.
Como no seu tempo, Portugal precisa de se ultrapassar e reencontrar o seu destino no Mundo. Como na sua época, o desafio do multiculturalismo, da defesa da diversidade, do diálogo entre crentes e não crentes, bem como a promoção da dignidade humana são temas em agenda.
Mas, sobretudo, em tempos de crise, onde a nação se inquieta, urge afirmar que há futuro. Que Portugal pode ser capaz, como já o foi, de mais e melhor. É fundamental actualizar as ‘Esperanças de Portugal’. E se o V Império, tal como o sonhou Vieira, está datado, o essencial da sua função – construir a esperança, criar confiança e oferecer um desígnio nacional – continua actual e necessário.
Faltam Vieiras que o digam ao nosso tempo. Com engenho e arte.
Simetria
Há alguns meses, o Estado desencadeou uma iniciativa inédita de divulgar na internet a lista de grandes devedores, como mecanismo de pressão e de condicionamento social desses refractários. Ao que parece, tal medida teve um sucesso razoável na recuperação de alguns créditos pois devedores houve que, perante tal iminência, se apressaram a pagar as suas dívidas. Recentemente, ainda que de forma limitada, o Tribunal de Contas fez o inverso: publicou a lista de credores do Estado. Era o mínimo que se exigia.
Na passada semana, num outro eixo, o Governo veio anunciar que o Estado procuraria reduzir até 2010 os seus prazos de pagamento da média actual de cinco meses para 30 a 40 dias.
Estas questões sinalizam um tema central para a recuperação do prestígio das instituições. O Estado, enquanto emanação de todos nós, deve ser sempre pessoa de bem e nunca deve abusar da sua posição dominante. Deve, por isso, na relação com o cidadão, com as empresas e com as instituições da sociedade civil, ser exemplar. Desde logo, deve cultivar uma relação simétrica e recíproca. Não pode, por exemplo, exigir ao cidadão ou à Empresa algo que não pratica. Não deve cultivar uma relação de desconfiança prévia e de um “pague primeiro e queixe-se depois”. Por isso, se quer publicar as dívidas que cidadãos ou empresas têm para com ele, deve começar por publicar as suas dívidas para com cidadãos ou empresas. Essas listas têm de estar lado a lado.
Em simultâneo, defendo convictamente que o Estado deve aceitar que se aplique às suas dívidas para com os seus credores – individuais ou colectivos – as mesmas penalizações que cultiva para com os seus devedores. Ou seja, não é aceitável que o Estado não pague juros de mora por pagamentos atrasados para lá do prazo acordado, sendo que, naturalmente, não deveria sequer ter esse atraso de pagamentos. Sei, por experiência própria, que muitos dos atrasos não estão dependentes da vontade dos funcionários ou dirigentes públicos mas de um sistema incrivelmente burocrático e pesado. Mas, perante essas dificuldades, a resposta certa é, por um lado, melhorar o sistema mas, por outro, assumir os custos desses atrasos, pagando os devidos juros de mora.
Um outro desafio passa por vir a ser aceite o pagamento de dívidas ao Estado com créditos pendentes. Isto é, se devo ao Estado 10 e o Estado me deve 100, fica a dever-me só 90. Esta é uma matemática simples que ajudaria a moralizar relações simétricas e de respeito mútuo. Ora, o que vigora actualmente como regra é que eu pague já os 10 ao Estado e o Estado pagar-me-á os 100, sem juros, quando puder.
Note-se que não cultivo uma visão anti-Estado. Pelo contrário. Faço-o por valorizar extraordinariamente a sua função. Mas um Estado sério, eficiente e eficaz. Um Estado digno, respeitado e respeitador.
Na passada semana, num outro eixo, o Governo veio anunciar que o Estado procuraria reduzir até 2010 os seus prazos de pagamento da média actual de cinco meses para 30 a 40 dias.
Estas questões sinalizam um tema central para a recuperação do prestígio das instituições. O Estado, enquanto emanação de todos nós, deve ser sempre pessoa de bem e nunca deve abusar da sua posição dominante. Deve, por isso, na relação com o cidadão, com as empresas e com as instituições da sociedade civil, ser exemplar. Desde logo, deve cultivar uma relação simétrica e recíproca. Não pode, por exemplo, exigir ao cidadão ou à Empresa algo que não pratica. Não deve cultivar uma relação de desconfiança prévia e de um “pague primeiro e queixe-se depois”. Por isso, se quer publicar as dívidas que cidadãos ou empresas têm para com ele, deve começar por publicar as suas dívidas para com cidadãos ou empresas. Essas listas têm de estar lado a lado.
Em simultâneo, defendo convictamente que o Estado deve aceitar que se aplique às suas dívidas para com os seus credores – individuais ou colectivos – as mesmas penalizações que cultiva para com os seus devedores. Ou seja, não é aceitável que o Estado não pague juros de mora por pagamentos atrasados para lá do prazo acordado, sendo que, naturalmente, não deveria sequer ter esse atraso de pagamentos. Sei, por experiência própria, que muitos dos atrasos não estão dependentes da vontade dos funcionários ou dirigentes públicos mas de um sistema incrivelmente burocrático e pesado. Mas, perante essas dificuldades, a resposta certa é, por um lado, melhorar o sistema mas, por outro, assumir os custos desses atrasos, pagando os devidos juros de mora.
Um outro desafio passa por vir a ser aceite o pagamento de dívidas ao Estado com créditos pendentes. Isto é, se devo ao Estado 10 e o Estado me deve 100, fica a dever-me só 90. Esta é uma matemática simples que ajudaria a moralizar relações simétricas e de respeito mútuo. Ora, o que vigora actualmente como regra é que eu pague já os 10 ao Estado e o Estado pagar-me-á os 100, sem juros, quando puder.
Note-se que não cultivo uma visão anti-Estado. Pelo contrário. Faço-o por valorizar extraordinariamente a sua função. Mas um Estado sério, eficiente e eficaz. Um Estado digno, respeitado e respeitador.
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