Celebra-se hoje mais um aniversário da morte do ilustre Pe. António Vieira (1608/1697). Este português notável foi polifacetado e desconcertante, tendo sido missionário, político, diplomata, orador e intelectual, num século conturbado e inquietante. Vieira é, ainda e sempre, uma referência da humanidade.
Homem de Fé, notabilizou-se pelos seus monumentais sermões, mas também pela missão exemplar de dedicação aos índios do Brasil. Para eles conseguiu, contra fúria dos colonos, em 1655, um decreto do rei que os protegia contra a escravidão feroz. Quando poucos viam nos índios sequer seres humanos, Vieira esteve a seu lado, aprendendo as suas línguas e correndo perigos inimagináveis nas selvas profundas do Maranhão.
Intensamente empenhado no destino da sua Pátria - para a qual sonhou a utopia do Quinto Império - foi pragmático na política e controverso na diplomacia, mas acabou sempre à margem do politicamente correcto. Desafiou o futuro e, procurando perscrutar os seus caminhos, imaginou novos mundos. Enfrentou por isso, inimigos infindáveis, entre os quais, todos os poderes instituídos: a Corte, a Inquisição e os interesses económicos. Estando no mundo, Vieira não era daquele mundo.
Também para a cultura portuguesa, a sua memória ressoa como um dos nossos maiores expoentes. Exímio arquitecto das palavras e dos conceitos, orador distinto, mereceu de Pessoa o título de Imperador da Língua Portuguesa.
Polémico, como poucos, António Vieira não era, no entanto, um ser perfeito, e até nisso era profundamente humano. Não ficou como uma lenda, nem sequer como um santo. Sonhou sonhos impossíveis, viu miragens que se esfumaram e errou muitas das suas geniais suposições. Mas nunca teve medo, nem se ficou no conforto dos moles. Foi ousado, corajoso e fiel à sua consciência, por mais que isso implicasse ir contra o Mundo.
Portugal, como tantas vezes acontece perante os nossos maiores, tem-lhe dedicado pouca atenção. Para o próximo ano, em 6 de Fevereiro de 2008, comemorar-se-á o IVº Centenário do seu nascimento, ocorrido nesta cidade de Lisboa, junto à Sé.
Temos defendido que, por essa ocasião, deveria ser criada em sua memória, a Casa António Vieira, por forma a que se tornasse mais presente a sua herança. Preferencialmente junto à Sé de Lisboa, seria um espaço privilegiado para que se continuasse a celebrar esta forma de ser português, sempre aberta ao mundo, através de um museu, de uma biblioteca e de um centro de estudos. Da Câmara de Lisboa, do Governo da República e de mecenas interessados depende a concretização da Casa António Vieira.
Como no tempo de Vieira, Portugal precisa de se ultrapassar e reencontrar o seu destino no mundo. Como na sua época, o desafio do interculturalismo, da defesa da diversidade, do diálogo entre crentes e não crentes, bem como a promoção da dignidade humana são desafios em agenda. Por isso, a Casa António Vieira seria uma excelente forma de, quatro séculos depois, continuar a construir a história do futuro.
Correio da Manhã, 18 Julho 2007
23 julho 2007
Respeito
Há dois anos, assistindo a uma cerimónia oficial no Canadá, registei a solenidade com que a assistência de uma conferência internacional se levantava para receber o mais alto representante da nação. Não raras vezes vi repetido este gesto de respeito institucional em diferentes países, perante diversos órgãos de soberania. Excepto, por regra, em Portugal. Na mesma conferência internacional, aquando da sua realização no nosso país, toda a gente permaneceu sentada, perante a entrada do Primeiro-ministro na sala. Vi já, repetidas vezes, em visitas de altos responsáveis do Estado a uma qualquer instituição, os funcionários permanecerem sentados enquanto são cumprimentos pelo visitante. Pior ainda, naturalmente, quando se vão registando insultos ou enxovalhos a um Presidente da República ou Primeiro-ministro, em nome de uma suposta liberdade de expressão. Não se trata, note-se, de uma questão antiquada de “boa-educação”, embora também o seja. É muito mais do que isso. Trata-se do valor que atribuímos às instituições e ao respeito por quem é por elas representado, ou seja, por todos nós.
A dessacralização do poder que se desenvolveu em Portugal após o 25 de Abril teve, certamente, os seus méritos. A aproximação das instituições ao povo, e vice-versa, favorece a democracia. O afastamento do temor reverencial ajuda à participação e coloca-nos num patamar de igualdade cívica. Mas isso não significa – longe disso – a destruição do respeito institucional.
As instituições do Estado – entre outras - merecem todo o respeito. Particularmente os órgãos de soberania, enquanto legítimos representantes do povo, são detentores de uma dignidade que deve ser preservada. Não se trata simplesmente do senhor A ou da senhora B, que por si só já mereceriam o respeito devido a qualquer pessoa, mas sim de quem, representando o Estado, nos representa a todos nós. Isto, não equivale, porém, à ausência de crítica. Pelo contrário: quanto mais respeitadores, mais exigentes para com os detentores de cargos públicos.
É evidente, por exemplo, que esta exigência de respeito institucional não se aplica exclusivamente aos cidadãos anónimos. A responsabilidade de evidenciar respeito pelas instituições começa, desde logo, nos seus próprios protagonistas. Por exemplo, o triste espectáculo que alguns deputados dão ao desrespeitarem completamente, em pleno hemiciclo, quem está no uso da palavra, conversando animadamente com os seus vizinhos ou lançando impropérios, não contribui para o prestígio da instituição. Não se pode pedir respeito por quem não se respeita.
Este respeito, no que se refere aos símbolos nacionais, teve, nos últimos anos, um grande avanço, curiosamente, através do futebol. Hoje em dia ninguém canta sentado o hino nacional, num qualquer estádio. Pelo contrário, de pé, vibramos com esse momento de sintonia colectiva. Será muito difícil estender essa atitude às instituições que nos representam?
Correio da Manhã, 10 Julho 2007
A dessacralização do poder que se desenvolveu em Portugal após o 25 de Abril teve, certamente, os seus méritos. A aproximação das instituições ao povo, e vice-versa, favorece a democracia. O afastamento do temor reverencial ajuda à participação e coloca-nos num patamar de igualdade cívica. Mas isso não significa – longe disso – a destruição do respeito institucional.
As instituições do Estado – entre outras - merecem todo o respeito. Particularmente os órgãos de soberania, enquanto legítimos representantes do povo, são detentores de uma dignidade que deve ser preservada. Não se trata simplesmente do senhor A ou da senhora B, que por si só já mereceriam o respeito devido a qualquer pessoa, mas sim de quem, representando o Estado, nos representa a todos nós. Isto, não equivale, porém, à ausência de crítica. Pelo contrário: quanto mais respeitadores, mais exigentes para com os detentores de cargos públicos.
É evidente, por exemplo, que esta exigência de respeito institucional não se aplica exclusivamente aos cidadãos anónimos. A responsabilidade de evidenciar respeito pelas instituições começa, desde logo, nos seus próprios protagonistas. Por exemplo, o triste espectáculo que alguns deputados dão ao desrespeitarem completamente, em pleno hemiciclo, quem está no uso da palavra, conversando animadamente com os seus vizinhos ou lançando impropérios, não contribui para o prestígio da instituição. Não se pode pedir respeito por quem não se respeita.
Este respeito, no que se refere aos símbolos nacionais, teve, nos últimos anos, um grande avanço, curiosamente, através do futebol. Hoje em dia ninguém canta sentado o hino nacional, num qualquer estádio. Pelo contrário, de pé, vibramos com esse momento de sintonia colectiva. Será muito difícil estender essa atitude às instituições que nos representam?
Correio da Manhã, 10 Julho 2007
As diferenças
É imaginável que, após dez anos passados no poder, um primeiro-ministro saia pelo seu pé, sem ser derrotado e seja aplaudido por amigos e inimigos? Que dele os adversários digam, na hora da sua saída, que “ninguém pode duvidar do seu imenso esforço em termos de serviço público”? Que outros – também adversários - refiram a sua “infalível cortesia”? Ou ainda, que o seu sucessor diga “o quer que venhamos a conseguir no futuro, consegui-lo-emos porque estamos sentados em cima dos seus ombros”?
Parece uma história implausível, quase extraterrestre, tanto mais que não se trata de um elogio fúnebre. Mas assim aconteceu, na passada semana, com Blair, na sua despedida do Parlamento inglês. Ninguém lhe regateou os elogios que, na política, são escassos entre adversários. Quiseram fazê-lo de pé, numa ovação, para que não restassem dúvidas. O primeiro-ministro inglês, respondeu da mesma moeda, a todos – partiários e adversários - desejando o bem. Parece quase um retrato piegas, de filme cor-de-rosa. Tão habituados que estamos na política a não dar espaço nem crédito ao que é bom e belo, estranhamos este “happy end”. Os mais cínicos verão no aplauso só a alegria dos inimigos, ao ver partir aquele que nunca venceram, ou com uma ironia mais refinada, descortinarão entre os “amigos” o alívio de quem vê livre o lugar que ele ocupou. Mas não pode ser só isso.
Não foi por acaso que, como nunca tinha acontecido na história dos trabalhistas ingleses, este homem venceu três eleições seguidas, a última das quais já depois da invasão do Iraque. Blair representa bem uma gesta de políticos que, contra todos os incómodos, assumem a sua missão de serviço ao bem comum. Destacam-se porque acreditam no que fazem e fazem porque acreditam. E isto faz a diferença. Estão longe de ser perfeitos, cometem erros e enganam-se, como aconteceu com este notável político com a opção injustificada da Guerra do Iraque. Mas mesmo no erro - reconhecido - não perdem a sua aura. Continuam a inspirar-nos confiança, apesar de tudo.
Há igualmente uma outra diferença assinalável. O sistema político inglês, mesmo com as suas falhas, mostra em muitas ocasiões uma fibra notável. A dignidade do aplauso final, na mesma sala onde semanalmente os deputados da oposição confrontaram duramente o primeiro-ministro durante uma década, revela uma qualidade política invejável. Eles fazem combate político como quem joga râguebi. É inspirador.
Em dez anos, Blair conseguiu, entre muitas outras coisas, que a economia do seu país tivesse um desenvolvimento notável, que a paz nascesse na Irlanda do Norte e que o Reino Unido se aproximasse da União Europeia. Saiu voluntariamente, deixando o seu país estável e equilibrado. Agora, segue-se outro desafio ainda mais difícil: ser co-construtor da paz no Médio Oriente, entre Israel e a Palestina. É uma boa notícia para Mundo que ele se dedique a essa missão.
Correio da Manhã, 4 Julho 2007
Parece uma história implausível, quase extraterrestre, tanto mais que não se trata de um elogio fúnebre. Mas assim aconteceu, na passada semana, com Blair, na sua despedida do Parlamento inglês. Ninguém lhe regateou os elogios que, na política, são escassos entre adversários. Quiseram fazê-lo de pé, numa ovação, para que não restassem dúvidas. O primeiro-ministro inglês, respondeu da mesma moeda, a todos – partiários e adversários - desejando o bem. Parece quase um retrato piegas, de filme cor-de-rosa. Tão habituados que estamos na política a não dar espaço nem crédito ao que é bom e belo, estranhamos este “happy end”. Os mais cínicos verão no aplauso só a alegria dos inimigos, ao ver partir aquele que nunca venceram, ou com uma ironia mais refinada, descortinarão entre os “amigos” o alívio de quem vê livre o lugar que ele ocupou. Mas não pode ser só isso.
Não foi por acaso que, como nunca tinha acontecido na história dos trabalhistas ingleses, este homem venceu três eleições seguidas, a última das quais já depois da invasão do Iraque. Blair representa bem uma gesta de políticos que, contra todos os incómodos, assumem a sua missão de serviço ao bem comum. Destacam-se porque acreditam no que fazem e fazem porque acreditam. E isto faz a diferença. Estão longe de ser perfeitos, cometem erros e enganam-se, como aconteceu com este notável político com a opção injustificada da Guerra do Iraque. Mas mesmo no erro - reconhecido - não perdem a sua aura. Continuam a inspirar-nos confiança, apesar de tudo.
Há igualmente uma outra diferença assinalável. O sistema político inglês, mesmo com as suas falhas, mostra em muitas ocasiões uma fibra notável. A dignidade do aplauso final, na mesma sala onde semanalmente os deputados da oposição confrontaram duramente o primeiro-ministro durante uma década, revela uma qualidade política invejável. Eles fazem combate político como quem joga râguebi. É inspirador.
Em dez anos, Blair conseguiu, entre muitas outras coisas, que a economia do seu país tivesse um desenvolvimento notável, que a paz nascesse na Irlanda do Norte e que o Reino Unido se aproximasse da União Europeia. Saiu voluntariamente, deixando o seu país estável e equilibrado. Agora, segue-se outro desafio ainda mais difícil: ser co-construtor da paz no Médio Oriente, entre Israel e a Palestina. É uma boa notícia para Mundo que ele se dedique a essa missão.
Correio da Manhã, 4 Julho 2007
Pela Europa
Desta forma – “Pela Europa” - quis Robert Schuman, um dos pais fundadores da União Europeia, definir a sua vocação determinada ao serviço de um novo futuro para os europeus, acabados de sair da IIª Guerra Mundial. Dessa semente, nasceram cinquenta anos de paz e de incomparável desenvolvimento económicos para os países membros. A poucos dias do início da presidência portuguesa da União Europeia, importa reafirmar essa determinação. Queremos continuar a lutar “pela Europa”. O nosso destino comum depende, porém, de sermos capazes de ultrapassar a crise e o cepticismo que se instalaram nos últimos anos, nomeadamente com o bloqueio a um novo modelo de organização da União.
Pelas voltas do destino, vai cair em plena presidência portuguesa o momento crucial da redacção e aprovação de um novo Tratado constitucional, depois do falhanço do anterior. Esse processo poderá constituir um momento histórico de relançamento do projecto europeu. Se contar com o empenhamento de todos os países membros, Portugal poderá desempenhar uma função catalizadora desse processo e abrir um novo horizonte de esperança. Essa função de negociação e de formulação de consensos vai exigir muito dos nossos governantes envolvidos nessa tarefa, mas pode constituir um notável serviço à causa europeia.
Mas esta Presidência não será exclusivamente marcada pela questão do Tratado. Já na próxima semana, pela primeira vez, vai realizar-se uma cimeira União Europeia/Brasil. Esta relação com um dos países em ascensão à escala global e com um papel central na América Latina, representa não só o cumprimento de uma estratégia de alargamento e reforço das relações externas da União Europeia, mas também o reforço da posição de Portugal no contexto europeu. Naturalmente, Portugal será, do lado da UE, a ponte privilegiada – mas não exclusiva – com o Brasil. Há que estar à altura.
Finalmente, nos grandes desafios para a presidência portuguesa da EU, sublinham-se outras duas cimeiras: com os países do Mediterrâneo (EUROMED) e com os países africanos (UE/África). No contexto do Mediterrâneo, joga-se uma das fronteiras essenciais do designado “choque de civilizações”, com o mundo islâmico. A cooperação entre a margem norte e a margem sul é essencial para contrariar a radicalização e o desenvolvimento de condições favoráveis para os jihadistas. Por outro lado, em relação a todo o continente africano, destaca-se como principal desafio o combate à pobreza e ao sub-desenvolvimento. Nesses processos, não podemos esquecer que a diferença de rendimento entre as duas margens do Mediterrâneo é de 1 para 15, e com os restantes países africanos de 1 para 30. O apoio ao desenvolvimento sustentável e à repartição de riqueza são resultados essenciais a saírem destas cimeiras. Por Portugal, nos próximos seis meses, vão passar as grandes discussões sobre o futuro não só da Europa, de uma larga faixa da humanidade. Queira Deus que seja um tempo de nova esperança.
Correio da Manhã, 27 Junho 2007
Pelas voltas do destino, vai cair em plena presidência portuguesa o momento crucial da redacção e aprovação de um novo Tratado constitucional, depois do falhanço do anterior. Esse processo poderá constituir um momento histórico de relançamento do projecto europeu. Se contar com o empenhamento de todos os países membros, Portugal poderá desempenhar uma função catalizadora desse processo e abrir um novo horizonte de esperança. Essa função de negociação e de formulação de consensos vai exigir muito dos nossos governantes envolvidos nessa tarefa, mas pode constituir um notável serviço à causa europeia.
Mas esta Presidência não será exclusivamente marcada pela questão do Tratado. Já na próxima semana, pela primeira vez, vai realizar-se uma cimeira União Europeia/Brasil. Esta relação com um dos países em ascensão à escala global e com um papel central na América Latina, representa não só o cumprimento de uma estratégia de alargamento e reforço das relações externas da União Europeia, mas também o reforço da posição de Portugal no contexto europeu. Naturalmente, Portugal será, do lado da UE, a ponte privilegiada – mas não exclusiva – com o Brasil. Há que estar à altura.
Finalmente, nos grandes desafios para a presidência portuguesa da EU, sublinham-se outras duas cimeiras: com os países do Mediterrâneo (EUROMED) e com os países africanos (UE/África). No contexto do Mediterrâneo, joga-se uma das fronteiras essenciais do designado “choque de civilizações”, com o mundo islâmico. A cooperação entre a margem norte e a margem sul é essencial para contrariar a radicalização e o desenvolvimento de condições favoráveis para os jihadistas. Por outro lado, em relação a todo o continente africano, destaca-se como principal desafio o combate à pobreza e ao sub-desenvolvimento. Nesses processos, não podemos esquecer que a diferença de rendimento entre as duas margens do Mediterrâneo é de 1 para 15, e com os restantes países africanos de 1 para 30. O apoio ao desenvolvimento sustentável e à repartição de riqueza são resultados essenciais a saírem destas cimeiras. Por Portugal, nos próximos seis meses, vão passar as grandes discussões sobre o futuro não só da Europa, de uma larga faixa da humanidade. Queira Deus que seja um tempo de nova esperança.
Correio da Manhã, 27 Junho 2007
Um voto útil
Os eleitores são cada vez menos fiéis ao voto no mesmo partido. Oscilam entre várias opções, consoante o líder que as protagoniza, a equipa que o acompanha e as principais ideias que defende. É um sinal dos tempos e, a meu ver, espelha uma atitude inteligente, que privilegia a liberdade de voto, escolhendo o que em cada momento parece ser a melhor solução, em detrimento de uma pré-determinação do voto, independentemente do candidato, da equipa e do programa.
Quando se aproxima uma eleição, como acontece agora com as intercalares para a Câmara de Lisboa, muitos eleitores entram neste processo. Qualquer que tenha sido a sua opção anterior, no que se refere ao partido que mereceu o voto nas últimas eleições, tudo volta a estar em aberto.
Deixando de lado as emoções, pensando exclusivamente em termos racionais, quais são, na minha perspectiva, as duas perguntas essenciais nesse processo de escolha? Primeiro, qual o candidato que, na sua vida política anterior, deu mais provas de capacidade de liderança, com determinação e inteligência, para enfrentar situações críticas, como a que vive Lisboa? Segundo, qual é a equipa mais consistente e com mais condições de se centrar nos problemas da cidade e de lhes responder com eficácia, apresentando para tal um programa credível?
Em Lisboa, a escolha é alargada. E, felizmente, com várias opções credíveis. Mas, na minha perspectiva, a escolha mais sensata só pode ser António Costa e a sua equipa. Indiscutivelmente é um político inteligente, determinado e com um perfil de liderança. Foi capaz de, em etapas anteriores, mostrar energia e espírito reformista, afrontando interesses e dificuldades de monta. É sério e tem ideias claras, não temendo decidir e executar as políticas que lhe parecem ser as mais adequadas. É um bom líder para Lisboa. Acresce que a equipa que escolheu é de muito boa qualidade. Rompendo as lógicas “aparelhisticas” redutoras, trouxe novos nomes, com credibilidade e experiência em vários sectores, que inspiram confiança.
O último elemento a considerar nesta escolha é a situação de emergência em que se encontra a Câmara Municipal de Lisboa. Em ruptura financeira e em crise anímica, Lisboa precisa de uma liderança forte. Ora, em virtude de uma bizarria do sistema eleitoral autárquico, quem ganha as eleições, pode não ter condições para governar a cidade. Pode ficar em minoria no executivo municipal e ficar na contingência dos acordos pós-eleitorais e das dificuldades que estes encerram.
Por isso, neste contexto, o voto de cada lisboeta deve ter em conta este factor. Deve ser um voto útil à boa governação da cidade. Assim, António Costa deve ganhar, com maioria absoluta, concentrando nele os votos de quem quer que Lisboa saia da crise. Se lhe foram dadas essas condições, daqui a dois anos cá estaremos para avaliar a sua governação da cidade. E voltar a escolher livremente o que então parecer melhor para a cidade.
Correio da Manhã, 20 Junho 2007
Quando se aproxima uma eleição, como acontece agora com as intercalares para a Câmara de Lisboa, muitos eleitores entram neste processo. Qualquer que tenha sido a sua opção anterior, no que se refere ao partido que mereceu o voto nas últimas eleições, tudo volta a estar em aberto.
Deixando de lado as emoções, pensando exclusivamente em termos racionais, quais são, na minha perspectiva, as duas perguntas essenciais nesse processo de escolha? Primeiro, qual o candidato que, na sua vida política anterior, deu mais provas de capacidade de liderança, com determinação e inteligência, para enfrentar situações críticas, como a que vive Lisboa? Segundo, qual é a equipa mais consistente e com mais condições de se centrar nos problemas da cidade e de lhes responder com eficácia, apresentando para tal um programa credível?
Em Lisboa, a escolha é alargada. E, felizmente, com várias opções credíveis. Mas, na minha perspectiva, a escolha mais sensata só pode ser António Costa e a sua equipa. Indiscutivelmente é um político inteligente, determinado e com um perfil de liderança. Foi capaz de, em etapas anteriores, mostrar energia e espírito reformista, afrontando interesses e dificuldades de monta. É sério e tem ideias claras, não temendo decidir e executar as políticas que lhe parecem ser as mais adequadas. É um bom líder para Lisboa. Acresce que a equipa que escolheu é de muito boa qualidade. Rompendo as lógicas “aparelhisticas” redutoras, trouxe novos nomes, com credibilidade e experiência em vários sectores, que inspiram confiança.
O último elemento a considerar nesta escolha é a situação de emergência em que se encontra a Câmara Municipal de Lisboa. Em ruptura financeira e em crise anímica, Lisboa precisa de uma liderança forte. Ora, em virtude de uma bizarria do sistema eleitoral autárquico, quem ganha as eleições, pode não ter condições para governar a cidade. Pode ficar em minoria no executivo municipal e ficar na contingência dos acordos pós-eleitorais e das dificuldades que estes encerram.
Por isso, neste contexto, o voto de cada lisboeta deve ter em conta este factor. Deve ser um voto útil à boa governação da cidade. Assim, António Costa deve ganhar, com maioria absoluta, concentrando nele os votos de quem quer que Lisboa saia da crise. Se lhe foram dadas essas condições, daqui a dois anos cá estaremos para avaliar a sua governação da cidade. E voltar a escolher livremente o que então parecer melhor para a cidade.
Correio da Manhã, 20 Junho 2007
Olho por olho
Quarenta anos sobre a “guerra dos seis dias”, em que Israel derrotou, num abrir e fechar de olhos, o Egipto, a Síria e a Jordânia, numa manobra de antecipação ao que parecia ser a preparação de um ataque destes países, a paz continua muito longe daquela terra martirizada. Mesmo com muitas outras vitórias importantes, Israel não obteve, desde então, o seu objectivo central. Continua ameaçado e sem descanso. Por seu lado, os palestinianos, mesmo depois de muitas derrotas humilhantes não desistem, não dão tréguas, nem serão derrotados. Nem para uns, nem para outros, a paz está no horizonte.
Neste período, muitas foram as tentativas de encontrar um caminho para o fim do conflito israelo-palestiniano, sem que o sucesso fosse além de uns escassos momentos. Depois, tudo regressava. Um pouco pior que antes, dado o efeito penalizador de mais uma decepção. Mesmo quando as lideranças dos dois lados se mostravam mais abertas e os acordos de paz mais consistentes, os radicais sempre conseguiram fazer explodir qualquer entendimento. Bastava provocar um atentado, para que se desencadeasse uma resposta violenta e o fim do acordo de paz.
Uma consequência deste processo, sempre marcado pela lei de talião, é metáfora antecipada por Gandhi: Olho por olho, o mundo acabará cego. Neste caso, perderão israelitas e palestinianos. Ninguém pode ganhar numa espiral de vingança. Por mais que isto seja evidente, ambas as partes teimam em seguir o caminho sem saída: atentado contra atentado, mortes pagas com mortes.
Deste círculo vicioso só haverá saída quando pelo menos uma das partes decidir não responder a uma agressão radical, recusando a reciprocidade da resposta, em benefício de um bem maior: a consolidação da paz negociada. Essa aparente fraqueza será uma força extraordinária na construção da paz e na libertação perante as armadilhas dos radicais inimigos. Paradoxalmente, estes só sobrevivem se forem alimentados com a vingança das suas vítimas.
Em alguns momentos da história tal solução esteve na raiz do sucesso de processos políticos complicados. Uma das mais recentes e impressionantes, foi a capacidade de não responder pela mesma moeda que tiveram os timorenses em 1999, antes do Referendo, quando diariamente eram provocados com mortes e ameaças. Se tivessem respondido, os defensores da independência teriam desencadeado uma nova guerra civil e o objectivo máximo – a realização do referendo - evaporar-se-ia. Sabendo conter a resposta, atingiram o seu objectivo, mesmo com sofrimento e vítimas.
Assim, caberá ao mais forte – Israel – ter a capacidade, na próxima volta da História em que existir um acordo de paz justo com a Autoridade Palestiniana, não responder “olho por olho...”, quando surgirem as provocações dos radicais. Só desta forma se passará o cabo das tormentas.
Correio da Manhã, 6 Junho 2007
Neste período, muitas foram as tentativas de encontrar um caminho para o fim do conflito israelo-palestiniano, sem que o sucesso fosse além de uns escassos momentos. Depois, tudo regressava. Um pouco pior que antes, dado o efeito penalizador de mais uma decepção. Mesmo quando as lideranças dos dois lados se mostravam mais abertas e os acordos de paz mais consistentes, os radicais sempre conseguiram fazer explodir qualquer entendimento. Bastava provocar um atentado, para que se desencadeasse uma resposta violenta e o fim do acordo de paz.
Uma consequência deste processo, sempre marcado pela lei de talião, é metáfora antecipada por Gandhi: Olho por olho, o mundo acabará cego. Neste caso, perderão israelitas e palestinianos. Ninguém pode ganhar numa espiral de vingança. Por mais que isto seja evidente, ambas as partes teimam em seguir o caminho sem saída: atentado contra atentado, mortes pagas com mortes.
Deste círculo vicioso só haverá saída quando pelo menos uma das partes decidir não responder a uma agressão radical, recusando a reciprocidade da resposta, em benefício de um bem maior: a consolidação da paz negociada. Essa aparente fraqueza será uma força extraordinária na construção da paz e na libertação perante as armadilhas dos radicais inimigos. Paradoxalmente, estes só sobrevivem se forem alimentados com a vingança das suas vítimas.
Em alguns momentos da história tal solução esteve na raiz do sucesso de processos políticos complicados. Uma das mais recentes e impressionantes, foi a capacidade de não responder pela mesma moeda que tiveram os timorenses em 1999, antes do Referendo, quando diariamente eram provocados com mortes e ameaças. Se tivessem respondido, os defensores da independência teriam desencadeado uma nova guerra civil e o objectivo máximo – a realização do referendo - evaporar-se-ia. Sabendo conter a resposta, atingiram o seu objectivo, mesmo com sofrimento e vítimas.
Assim, caberá ao mais forte – Israel – ter a capacidade, na próxima volta da História em que existir um acordo de paz justo com a Autoridade Palestiniana, não responder “olho por olho...”, quando surgirem as provocações dos radicais. Só desta forma se passará o cabo das tormentas.
Correio da Manhã, 6 Junho 2007
Livro e/ou Multimédia?
Em tempo de Feiras do Livro, vimos assistindo, em diferentes contextos, a discursos inflamados entre “conservadores” e “progressistas”, entre apologistas da leitura acima de tudo – e sem mais nada ...– e defensores, a todo o custo, das maravilhas quase miraculosas do multimédia interactivo. Esta já clássica e esperada contraposição entre os defensores acérrimos da cultura do livro contra os igualmente fanáticos do novo multimédia é uma discussão estéril e sem sentido.
Com efeito, argumentam os defensores radicais do livro que este estimula a análise estruturada das ideias, a imaginação despida de imagens pré e totalmente definidas e o prazer da viagem pelas histórias lidas serenamente. É verdade. Somam também o contributo da leitura para o domínio da língua, para a capacidade de apreciar a arte da narrativa ou a beleza da poesia. E concluem, na sua análise, que tudo o que afaste os cidadãos, particularmente as crianças e jovens, dos bons caminhos da leitura é obra dos demónios da modernidade.
Por outro lado, quem está na trincheira do multimédia puxa pelos argumentos da riqueza decorrente da utilização integrada de vários meios (texto, imagem, som), da força do pensamento em rede, da imensidão de informação disponível na Internet ou num DVD, da “adrenalina” de um jogo de computador. Também têm razão. Mas enganam-se quando deliciados com o “sucesso de mercado” destes novos suportes, aos quais as crianças aderem com grande entusiasmo, já antecipam no horizonte o “fim do livro”.
Este combate que supõe uma mútua exclusão – ou pelo menos, a clara e inequívoca sobreposição de um mundo ao outro - não se enquadra num tempo, que é o nosso, feito mais de “e” do que “ou”. Quem disse que estes meios são obrigatoriamente adversários? Porquê impor uma escolha difícil que não deve ser feita?
Importa olhar para a História. Se recuássemos alguns milénios até à invenção da escrita, ou somente uns séculos até ao tempo de Gutemberg, certamente assistiríamos a idêntica disputa entre os que se fixavam nas formas de comunicação preexistentes e os que se deixavam fascinar pelas novidades que o génio humano ia construindo. Essa disputa repetiu-se, evidentemente, nos novos confrontos com a rádio, com o cinema, ou, mais recentemente, com a televisão. Curiosamente, nenhuma destas sucessivas realidades eliminou a anterior. Apesar da normal perturbação que qualquer inovação provoca num ambiente estabilizado, o que podemos constatar é que estes vários meios se ajustaram, ganhando cada qual o seu espaço e sentido próprios, sem “abafar” todos os antecedentes. Mais: deixaram sempre espaço para que novas formas de comunicar fossem surgindo, acrescentando novos botões ao bouquet do conhecimento acessível.
É antigo o desejo de poder somar o melhor de vários mundos. Nem sempre isso é possível. Neste caso, parece não só possível, como indispensável. Essa será a conjunção de futuro.
Correio da Manhã, 30 Maio 2007
Com efeito, argumentam os defensores radicais do livro que este estimula a análise estruturada das ideias, a imaginação despida de imagens pré e totalmente definidas e o prazer da viagem pelas histórias lidas serenamente. É verdade. Somam também o contributo da leitura para o domínio da língua, para a capacidade de apreciar a arte da narrativa ou a beleza da poesia. E concluem, na sua análise, que tudo o que afaste os cidadãos, particularmente as crianças e jovens, dos bons caminhos da leitura é obra dos demónios da modernidade.
Por outro lado, quem está na trincheira do multimédia puxa pelos argumentos da riqueza decorrente da utilização integrada de vários meios (texto, imagem, som), da força do pensamento em rede, da imensidão de informação disponível na Internet ou num DVD, da “adrenalina” de um jogo de computador. Também têm razão. Mas enganam-se quando deliciados com o “sucesso de mercado” destes novos suportes, aos quais as crianças aderem com grande entusiasmo, já antecipam no horizonte o “fim do livro”.
Este combate que supõe uma mútua exclusão – ou pelo menos, a clara e inequívoca sobreposição de um mundo ao outro - não se enquadra num tempo, que é o nosso, feito mais de “e” do que “ou”. Quem disse que estes meios são obrigatoriamente adversários? Porquê impor uma escolha difícil que não deve ser feita?
Importa olhar para a História. Se recuássemos alguns milénios até à invenção da escrita, ou somente uns séculos até ao tempo de Gutemberg, certamente assistiríamos a idêntica disputa entre os que se fixavam nas formas de comunicação preexistentes e os que se deixavam fascinar pelas novidades que o génio humano ia construindo. Essa disputa repetiu-se, evidentemente, nos novos confrontos com a rádio, com o cinema, ou, mais recentemente, com a televisão. Curiosamente, nenhuma destas sucessivas realidades eliminou a anterior. Apesar da normal perturbação que qualquer inovação provoca num ambiente estabilizado, o que podemos constatar é que estes vários meios se ajustaram, ganhando cada qual o seu espaço e sentido próprios, sem “abafar” todos os antecedentes. Mais: deixaram sempre espaço para que novas formas de comunicar fossem surgindo, acrescentando novos botões ao bouquet do conhecimento acessível.
É antigo o desejo de poder somar o melhor de vários mundos. Nem sempre isso é possível. Neste caso, parece não só possível, como indispensável. Essa será a conjunção de futuro.
Correio da Manhã, 30 Maio 2007
Para além do ressentimento
Das forças que movimentam a História, o ressentimento não será das menores. O historiador francês Marc Ferro, a abrir o ciclo “Estado do Mundo” da Fundação Gulbekian, relembrava recentemente como muito do que vivemos se explica por este sentimento individual e colectivo, que atravessa séculos e continentes, enquanto força obscura, mas também como produto da História.
Fruto de derrotas, massacres e iniquidades, gera-se a humilhação, particularmente dolorosa para aqueles que passam de dominadores a escravos. É curioso, a este propósito, recuperar a sabedoria milenar chinesa, que defende que “uma vitória não deve ser grande demais”, evitando sempre que possível a humilhação do adversário. Mas raramente os vencedores não cedem à tentação de esmagar o vencido.
Da humilhação nasce o ressentimento, que perdura e impulsiona para o ajuste de contas, de que a vingança é o principal sub-produto. Torna-se um veneno que invade toda a existência. Só que, como dizia Shakespeare, guardar ressentimento “é tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”. A vingança nunca é suficiente para o satisfazer. A obsessão vingativa que medra em ressentimentos antigos torna então o passado mais presente que o próprio presente. Dessa forma se explicam, segundo Ferro, quer a crise actual com os terroristas islamitas, quer outros fenómenos mais antigos, como a ascensão nazi depois da humilhação da Iª Guerra Mundial e do Tratado de Versailles, bem com a história de uma Polónia sucessivamente invadida e repartida por russos, alemães e suecos.
Mas Marc Ferro não ficou só nas tragédias que o ressentimento gerou ao longo da História. Trouxe também à memória, pelo menos, um milagre. Contra todas as expectativas, a longa história de humilhação que o apartheid havia produzido na África do Sul, com o consequente ressentimento de milhões de negros tratados com sub-humanos, não resultou numa explosão de vingança. E se ao historiador francês não sobrou tempo para aprofundar o porquê deste milagre, e nele encontrar uma chave de esperança para o Mundo, importa sublinhar que a paz só se poderá construir quando os ofendidos puderem e souberem transformar o seu ressentimento em perdão.
A dinâmica inspirada por Nelson Mandela, um dos homens mais notáveis de sempre, com o apoio de outros ilustres sul-africanos como o Bispo Desmond Tutu, transformou um potencial explosivo de ressentimento à espera de vingança em reconciliação e paz. Através da Comissão Verdade e Reconciliação, sem esquecer as humilhações, mas ao invés nomeando-as e condenando-as, valorizaram-se os factos, dignificaram-se as vítimas e refez-se a memória colectiva. Mas abriram-se também as portas ao perdão e à reconciliação, com o arrependimento do ofensor. Em defesa de um bem maior, diluíram-se os ressentimentos e deixou-se cair a vingança. Se a Humanidade souber fazer isso mais vezes, talvez encontre um futuro diferente.
Correio da Manhã, 23 Maio 2007
Fruto de derrotas, massacres e iniquidades, gera-se a humilhação, particularmente dolorosa para aqueles que passam de dominadores a escravos. É curioso, a este propósito, recuperar a sabedoria milenar chinesa, que defende que “uma vitória não deve ser grande demais”, evitando sempre que possível a humilhação do adversário. Mas raramente os vencedores não cedem à tentação de esmagar o vencido.
Da humilhação nasce o ressentimento, que perdura e impulsiona para o ajuste de contas, de que a vingança é o principal sub-produto. Torna-se um veneno que invade toda a existência. Só que, como dizia Shakespeare, guardar ressentimento “é tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”. A vingança nunca é suficiente para o satisfazer. A obsessão vingativa que medra em ressentimentos antigos torna então o passado mais presente que o próprio presente. Dessa forma se explicam, segundo Ferro, quer a crise actual com os terroristas islamitas, quer outros fenómenos mais antigos, como a ascensão nazi depois da humilhação da Iª Guerra Mundial e do Tratado de Versailles, bem com a história de uma Polónia sucessivamente invadida e repartida por russos, alemães e suecos.
Mas Marc Ferro não ficou só nas tragédias que o ressentimento gerou ao longo da História. Trouxe também à memória, pelo menos, um milagre. Contra todas as expectativas, a longa história de humilhação que o apartheid havia produzido na África do Sul, com o consequente ressentimento de milhões de negros tratados com sub-humanos, não resultou numa explosão de vingança. E se ao historiador francês não sobrou tempo para aprofundar o porquê deste milagre, e nele encontrar uma chave de esperança para o Mundo, importa sublinhar que a paz só se poderá construir quando os ofendidos puderem e souberem transformar o seu ressentimento em perdão.
A dinâmica inspirada por Nelson Mandela, um dos homens mais notáveis de sempre, com o apoio de outros ilustres sul-africanos como o Bispo Desmond Tutu, transformou um potencial explosivo de ressentimento à espera de vingança em reconciliação e paz. Através da Comissão Verdade e Reconciliação, sem esquecer as humilhações, mas ao invés nomeando-as e condenando-as, valorizaram-se os factos, dignificaram-se as vítimas e refez-se a memória colectiva. Mas abriram-se também as portas ao perdão e à reconciliação, com o arrependimento do ofensor. Em defesa de um bem maior, diluíram-se os ressentimentos e deixou-se cair a vingança. Se a Humanidade souber fazer isso mais vezes, talvez encontre um futuro diferente.
Correio da Manhã, 23 Maio 2007
Amor e Ódio
No final da Iª Guerra Mundial, os soldados dos dois lados das trincheiras estavam tão perto, há tanto tempo, que já trocavam cigarros. Nessa altura, deixavam de estar aptos a combater. Ninguém mata quem fuma do mesmo maço de cigarro.
Perceber a natureza humana sempre se revelou um desafio impossível. Aqui “o número dos reais ultrapassa o número dos possíveis”. Somos sucessivamente surpreendidos por inesperadas manifestações que nem imaginávamos. De qualquer forma, é sempre útil regressar ao que se foi aprendendo sobre a essência do ser humano. Um dos contributos mais interessantes vem da Etologia, enquanto estudo da “biologia do comportamento”. Entre os seus autores, Eibl-Eibesfeldt (Amor e Ódio, Bertrand Editora) procura evidenciar traços de comportamento inatos e universais no ser humano, com paralelos significativos noutros seres vivos, com particular foco na agressividade.
O Homem, tal como os outros animais, está pré-programado para reagir naturalmente de uma forma agressiva, em determinadas circunstâncias. Mas reconhecendo essa realidade - e encontrando até algumas vantagens na sua adequada integração na vida humana - importa ter consciência que para viver pacificamente em sociedade, a agressividade tem de ser condicionada - e mesmo bloqueada - na sua transformação em agressão. E isso só acontece através da ligações sentimentais entre seres humanos. Aqui Eibesfeldt converge com Freud que defende que tudo aquilo que produz pontos comuns significativos entre os homens estimula sentimentos de comunidade, ou seja, de identificação. E esta inibe a agressividade.
Assim se explica que, por natureza, sejamos menos inibidos na agressividade para com desconhecidos. É curioso neste contexto o papel relevante do desenvolvimento das armas. Estas, quanto mais distantes operam, mais anulam os inibidores da agressividade, porque tornam mais anónimas as vitimas. Longe da vista, longe do coração.
No entanto, há uma esperança e um caminho. A tendência natural empurra-nos no sentido de tornar próximo o desconhecido. O autor sublinha que “a predisposição de estabelecer um laço de união com o próximo é na realidade tão grande que há sempre o “perigo” de dois grupos inimigos poderem estabelecer laços de amizade entre si, sempre que permaneçam muito tempo juntos”. Pelo contrário, diz Eibesfeldt, “a capacidade do homem rotular negativamente é, talvez, mais terrível que a própria descoberta das armas (..) O processo de transformar os adversários em seres odiados não consiste apenas em marcá-los como monstros mas também em despertar medo e desconfiança”. A capacidade de desumanizar o seu semelhante, torna possível eliminar as inibições da agressividade e conduzir também à eliminação da compaixão.
Entre o amor, que torna o estranho num próximo a quem não agredimos, e o ódio que desumaniza o “outro” e o torna por isso alvo preferencial da agressão, balança a nossa natureza. Com os resultados que se conhecem.
Correio da Manhã, 16 Maio 2007
Perceber a natureza humana sempre se revelou um desafio impossível. Aqui “o número dos reais ultrapassa o número dos possíveis”. Somos sucessivamente surpreendidos por inesperadas manifestações que nem imaginávamos. De qualquer forma, é sempre útil regressar ao que se foi aprendendo sobre a essência do ser humano. Um dos contributos mais interessantes vem da Etologia, enquanto estudo da “biologia do comportamento”. Entre os seus autores, Eibl-Eibesfeldt (Amor e Ódio, Bertrand Editora) procura evidenciar traços de comportamento inatos e universais no ser humano, com paralelos significativos noutros seres vivos, com particular foco na agressividade.
O Homem, tal como os outros animais, está pré-programado para reagir naturalmente de uma forma agressiva, em determinadas circunstâncias. Mas reconhecendo essa realidade - e encontrando até algumas vantagens na sua adequada integração na vida humana - importa ter consciência que para viver pacificamente em sociedade, a agressividade tem de ser condicionada - e mesmo bloqueada - na sua transformação em agressão. E isso só acontece através da ligações sentimentais entre seres humanos. Aqui Eibesfeldt converge com Freud que defende que tudo aquilo que produz pontos comuns significativos entre os homens estimula sentimentos de comunidade, ou seja, de identificação. E esta inibe a agressividade.
Assim se explica que, por natureza, sejamos menos inibidos na agressividade para com desconhecidos. É curioso neste contexto o papel relevante do desenvolvimento das armas. Estas, quanto mais distantes operam, mais anulam os inibidores da agressividade, porque tornam mais anónimas as vitimas. Longe da vista, longe do coração.
No entanto, há uma esperança e um caminho. A tendência natural empurra-nos no sentido de tornar próximo o desconhecido. O autor sublinha que “a predisposição de estabelecer um laço de união com o próximo é na realidade tão grande que há sempre o “perigo” de dois grupos inimigos poderem estabelecer laços de amizade entre si, sempre que permaneçam muito tempo juntos”. Pelo contrário, diz Eibesfeldt, “a capacidade do homem rotular negativamente é, talvez, mais terrível que a própria descoberta das armas (..) O processo de transformar os adversários em seres odiados não consiste apenas em marcá-los como monstros mas também em despertar medo e desconfiança”. A capacidade de desumanizar o seu semelhante, torna possível eliminar as inibições da agressividade e conduzir também à eliminação da compaixão.
Entre o amor, que torna o estranho num próximo a quem não agredimos, e o ódio que desumaniza o “outro” e o torna por isso alvo preferencial da agressão, balança a nossa natureza. Com os resultados que se conhecem.
Correio da Manhã, 16 Maio 2007
Começar de novo
Timor-Leste escolhe hoje o seu segundo Presidente da República. Depois de um ciclo que se encerra com muitas nuvens negras a pairar no horizonte, reflectindo meses de crise grave no primeiro país do século XXI, a esperança num novo tempo marca a expectativa dos mais optimistas.
A epopeia bem sucedida da sua libertação fez crer a alguns que Timor seria sempre uma uma história de sucesso. A concretização da última utopia do século passado, libertando um pequeno David das garras de um feroz Golias, assumia-se como garantia que todas as dificuldades nunca seriam suficientemente grandes para que não fossem ultrapassadas pela mesma vontade desse povo heróico. Ora essa expectativa foi ingénua e a realidade, com culpa de todos os protagonistas, tornou-se um pesadelo.
O fim da ocupação e do inimigo externo diluiu solidariedades internas. Enquanto na luta contra a Indonésia, todos se uniam - mesmo que se odiassem – agora, independentes e em democracia, as divisões vêm ao de cima. E, nestas circunstâncias, há muitas vezes a tentação política de substituir o inimigo externo por inimigos internos, para agregar novas solidariedades. Foi o que aconteceu, nomeadamente com a artificial divisão entre lorosaes e lorumonus, separando os timorenses conforme a sua origem do leste ou do oeste do país. A este processo não serão alheios interesses externos que, não sendo os únicos culpados, não deixam de ser preponderantes nestes desenvolvimentos. A definição das fronteiras marítimas de Timor, ainda em discussão e, com elas, o direito a estes recursos, não será estranha a esta crise. O petróleo e o gás natural nunca foram boa notícia para países frágeis.
Mas não devem os timorenses procurar fora desculpa para todos os erros. Não fora os erros políticos cometidos e nenhuma manobra de destabilização poderia ter sucesso. Resulta evidente, para quem conhece Timor, que o principal erro dos últimos anos decorre dum modelo de desenvolvimento que não assentou num efectivo combate à pobreza. A persistência de níveis de desemprego elevadíssimos, nomeadamente entre os jovens, a ausência de investimentos essenciais numa nova rede de infra-estruturas e a incapacidade de colocar a economia a funcionar foram os principais falhanços do poder timorense, protagonizado pela Fretilin. E todos os manuais de política são unânimes no resultado desse alinhamento que dá sempre turbulência, revolta e revolução. Para não fugir à regra, Timor comprovou que desemprego persistente mais pobreza aguda é sempre igual a convulsão social.
Com as eleições presidenciais e legislativas deste ano, Timor-Leste procura um recomeço que permita sarar as feridas recentes e abrir um horizonte de esperança. Só a vitória de Ramos Horta pode garantir as condições para que se comece de novo. Com a esperança de ter aprendido com os erros cometidos.
Correio da Manhã, 9 Maio 2007
A epopeia bem sucedida da sua libertação fez crer a alguns que Timor seria sempre uma uma história de sucesso. A concretização da última utopia do século passado, libertando um pequeno David das garras de um feroz Golias, assumia-se como garantia que todas as dificuldades nunca seriam suficientemente grandes para que não fossem ultrapassadas pela mesma vontade desse povo heróico. Ora essa expectativa foi ingénua e a realidade, com culpa de todos os protagonistas, tornou-se um pesadelo.
O fim da ocupação e do inimigo externo diluiu solidariedades internas. Enquanto na luta contra a Indonésia, todos se uniam - mesmo que se odiassem – agora, independentes e em democracia, as divisões vêm ao de cima. E, nestas circunstâncias, há muitas vezes a tentação política de substituir o inimigo externo por inimigos internos, para agregar novas solidariedades. Foi o que aconteceu, nomeadamente com a artificial divisão entre lorosaes e lorumonus, separando os timorenses conforme a sua origem do leste ou do oeste do país. A este processo não serão alheios interesses externos que, não sendo os únicos culpados, não deixam de ser preponderantes nestes desenvolvimentos. A definição das fronteiras marítimas de Timor, ainda em discussão e, com elas, o direito a estes recursos, não será estranha a esta crise. O petróleo e o gás natural nunca foram boa notícia para países frágeis.
Mas não devem os timorenses procurar fora desculpa para todos os erros. Não fora os erros políticos cometidos e nenhuma manobra de destabilização poderia ter sucesso. Resulta evidente, para quem conhece Timor, que o principal erro dos últimos anos decorre dum modelo de desenvolvimento que não assentou num efectivo combate à pobreza. A persistência de níveis de desemprego elevadíssimos, nomeadamente entre os jovens, a ausência de investimentos essenciais numa nova rede de infra-estruturas e a incapacidade de colocar a economia a funcionar foram os principais falhanços do poder timorense, protagonizado pela Fretilin. E todos os manuais de política são unânimes no resultado desse alinhamento que dá sempre turbulência, revolta e revolução. Para não fugir à regra, Timor comprovou que desemprego persistente mais pobreza aguda é sempre igual a convulsão social.
Com as eleições presidenciais e legislativas deste ano, Timor-Leste procura um recomeço que permita sarar as feridas recentes e abrir um horizonte de esperança. Só a vitória de Ramos Horta pode garantir as condições para que se comece de novo. Com a esperança de ter aprendido com os erros cometidos.
Correio da Manhã, 9 Maio 2007
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