No final da Iª Guerra Mundial, os soldados dos dois lados das trincheiras estavam tão perto, há tanto tempo, que já trocavam cigarros. Nessa altura, deixavam de estar aptos a combater. Ninguém mata quem fuma do mesmo maço de cigarro.
Perceber a natureza humana sempre se revelou um desafio impossível. Aqui “o número dos reais ultrapassa o número dos possíveis”. Somos sucessivamente surpreendidos por inesperadas manifestações que nem imaginávamos. De qualquer forma, é sempre útil regressar ao que se foi aprendendo sobre a essência do ser humano. Um dos contributos mais interessantes vem da Etologia, enquanto estudo da “biologia do comportamento”. Entre os seus autores, Eibl-Eibesfeldt (Amor e Ódio, Bertrand Editora) procura evidenciar traços de comportamento inatos e universais no ser humano, com paralelos significativos noutros seres vivos, com particular foco na agressividade.
O Homem, tal como os outros animais, está pré-programado para reagir naturalmente de uma forma agressiva, em determinadas circunstâncias. Mas reconhecendo essa realidade - e encontrando até algumas vantagens na sua adequada integração na vida humana - importa ter consciência que para viver pacificamente em sociedade, a agressividade tem de ser condicionada - e mesmo bloqueada - na sua transformação em agressão. E isso só acontece através da ligações sentimentais entre seres humanos. Aqui Eibesfeldt converge com Freud que defende que tudo aquilo que produz pontos comuns significativos entre os homens estimula sentimentos de comunidade, ou seja, de identificação. E esta inibe a agressividade.
Assim se explica que, por natureza, sejamos menos inibidos na agressividade para com desconhecidos. É curioso neste contexto o papel relevante do desenvolvimento das armas. Estas, quanto mais distantes operam, mais anulam os inibidores da agressividade, porque tornam mais anónimas as vitimas. Longe da vista, longe do coração.
No entanto, há uma esperança e um caminho. A tendência natural empurra-nos no sentido de tornar próximo o desconhecido. O autor sublinha que “a predisposição de estabelecer um laço de união com o próximo é na realidade tão grande que há sempre o “perigo” de dois grupos inimigos poderem estabelecer laços de amizade entre si, sempre que permaneçam muito tempo juntos”. Pelo contrário, diz Eibesfeldt, “a capacidade do homem rotular negativamente é, talvez, mais terrível que a própria descoberta das armas (..) O processo de transformar os adversários em seres odiados não consiste apenas em marcá-los como monstros mas também em despertar medo e desconfiança”. A capacidade de desumanizar o seu semelhante, torna possível eliminar as inibições da agressividade e conduzir também à eliminação da compaixão.
Entre o amor, que torna o estranho num próximo a quem não agredimos, e o ódio que desumaniza o “outro” e o torna por isso alvo preferencial da agressão, balança a nossa natureza. Com os resultados que se conhecem.
Correio da Manhã, 16 Maio 2007
23 julho 2007
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