23 julho 2007

As diferenças

É imaginável que, após dez anos passados no poder, um primeiro-ministro saia pelo seu pé, sem ser derrotado e seja aplaudido por amigos e inimigos? Que dele os adversários digam, na hora da sua saída, que “ninguém pode duvidar do seu imenso esforço em termos de serviço público”? Que outros – também adversários - refiram a sua “infalível cortesia”? Ou ainda, que o seu sucessor diga “o quer que venhamos a conseguir no futuro, consegui-lo-emos porque estamos sentados em cima dos seus ombros”?

Parece uma história implausível, quase extraterrestre, tanto mais que não se trata de um elogio fúnebre. Mas assim aconteceu, na passada semana, com Blair, na sua despedida do Parlamento inglês. Ninguém lhe regateou os elogios que, na política, são escassos entre adversários. Quiseram fazê-lo de pé, numa ovação, para que não restassem dúvidas. O primeiro-ministro inglês, respondeu da mesma moeda, a todos – partiários e adversários - desejando o bem. Parece quase um retrato piegas, de filme cor-de-rosa. Tão habituados que estamos na política a não dar espaço nem crédito ao que é bom e belo, estranhamos este “happy end”. Os mais cínicos verão no aplauso só a alegria dos inimigos, ao ver partir aquele que nunca venceram, ou com uma ironia mais refinada, descortinarão entre os “amigos” o alívio de quem vê livre o lugar que ele ocupou. Mas não pode ser só isso.

Não foi por acaso que, como nunca tinha acontecido na história dos trabalhistas ingleses, este homem venceu três eleições seguidas, a última das quais já depois da invasão do Iraque. Blair representa bem uma gesta de políticos que, contra todos os incómodos, assumem a sua missão de serviço ao bem comum. Destacam-se porque acreditam no que fazem e fazem porque acreditam. E isto faz a diferença. Estão longe de ser perfeitos, cometem erros e enganam-se, como aconteceu com este notável político com a opção injustificada da Guerra do Iraque. Mas mesmo no erro - reconhecido - não perdem a sua aura. Continuam a inspirar-nos confiança, apesar de tudo.

Há igualmente uma outra diferença assinalável. O sistema político inglês, mesmo com as suas falhas, mostra em muitas ocasiões uma fibra notável. A dignidade do aplauso final, na mesma sala onde semanalmente os deputados da oposição confrontaram duramente o primeiro-ministro durante uma década, revela uma qualidade política invejável. Eles fazem combate político como quem joga râguebi. É inspirador.

Em dez anos, Blair conseguiu, entre muitas outras coisas, que a economia do seu país tivesse um desenvolvimento notável, que a paz nascesse na Irlanda do Norte e que o Reino Unido se aproximasse da União Europeia. Saiu voluntariamente, deixando o seu país estável e equilibrado. Agora, segue-se outro desafio ainda mais difícil: ser co-construtor da paz no Médio Oriente, entre Israel e a Palestina. É uma boa notícia para Mundo que ele se dedique a essa missão.

Correio da Manhã, 4 Julho 2007

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